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Leonardo Sakamoto

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Pau de arara: Preconceito de Bolsonaro só reforça alta rejeição no Nordeste

Colunista do UOL

04/02/2022 04h06

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Jair Bolsonaro (PL) chamou nordestinos de "pau de arara" na noite desta quinta (3). A declaração preconceituosa, que até parece uma tentativa inconsciente de cometer sincericídio eleitoral, serve para nos lembrar o porquê de seus índices de popularidade serem muito baixos na região.

Após perguntar a assessores, em sua live semanal, qual a cidade do padre Cícero e não obter resposta, ele afirmou: "está cheio de 'pau de arara' aqui e não sabem que cidade fica padre Cícero?" Ah, e ele ainda teve tempo para confundir Pernambuco com Ceará.

"Pau de arara" são caminhões adaptados para transportar passageiros em sua carroceria. Foram muito usados nas migrações para a região Sudeste décadas atrás. Muita gente pobre sofreu no lombo deles, na esperança de conseguir vida nova. A bizarra fala presidencial, portanto, também denota preconceito de classe.

Ironicamente, ou nem tanto, quem pegou um pau de arara para ir de Caetés (PE) até Santos (SP), em uma viagem que durou 13 dias e 13 noites em 1952, foi o menino Luiz Inácio da Silva, muito antes de se tornar Lula, acompanhado de sua mãe e cinco irmãos. De acordo com sua biografia escrita por Fernando Morais, a família comeu apenas rapadura e farinha nessa longa migração.

Entre todas as regiões brasileiras, o Nordeste entrega a Bolsonaro a maior taxa de reprovação de seu governo (58%), a menor de aprovação (17%), a maior rejeição eleitoral (67%), o mais alto índice de cidadãos que não confiam em suas declarações (68%), a maior taxa daqueles que consideram que ele cuida mal do país (70%) e a maior quantidade de eleitores que acreditam que ele é o pior presidente da história, segundo o último Datafolha. Tudo resultado de um misto de ausência políticas públicas, piora da qualidade de vida e excesso de bobagens ditas.

Enquanto isso, o Nordeste dá 44% de votos espontâneos (aquele em que não se oferece opções) a Lula e apenas 14% a Bolsonaro. Quando a pesquisa é estimulada com nomes de pré-candidatos, o ex-presidente vai a 61% da região e o presidente apenas a 17%. Por isso, o Nordeste é onde o centrão quer ir com Lula em nome de sua chance de reeleição.

Jair aposta que esses números devem mudar quando mais parcelas do Auxílio Brasil de R$ 400 caírem nas contas de famílias que costumavam receber o Bolsa Família. Esse ganho político, contudo, pode ser reduzido pela inflação que disparou sob sua gestão, alcançando 10,06% no ano passado e prometendo que não dará trégua neste ano.

E para tentar reduzir a rejeição no Nordeste, o presidente tem viajado durante o expediente para inaugurar até pequeno trecho de asfalto. No ano passado, visitou a região mais de duas dezenas de vezes, em uma campanha eleitoral ilegalmente antecipada.

Curiosamente, quando foi instado a ir ao Nordeste em um momento de dificuldade, fez a egípcia. Diante das chuvas que atingiram o Sul da Bahia no início de dezembro, só foi para lá após muita pressão da opinião pública. E quando foi lá, em 12 de dezembro, gastou tempo que deveria ser usado em solidariedade ao povo para atacar o isolamento social, que salvou vidas durante a pandemia.

Depois de uma pausa, as chuvas voltaram com mais força e as mortes se acumularam. Mas Bolsonaro terceirizou a responsabilidade para ministros e foi se divertir no litoral de Santa Catarina em férias bancadas com dinheiro público. As cenas dele andando de jet ski e em carros de corrida e se aglomerando com simpatizantes enquanto voluntários tentavam salvar vidas em um Sul da Bahia submerso são de uma insensibilidade chocante.

Tão insensível quanto reduzir cidadãos do Nordeste a um meio de transporte adotado não por gosto, mas por necessidade, diante da falta de dinheiro para o ônibus.

Em julho de 2019, pouco antes de um café da manhã com correspondentes internacionais, um microfone captou um áudio de sua conversa privada com o então ministro-chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni. Nela, é possível ouvir o presidente usar a expressão "governadores de Paraíba", referindo-se aos da região Nordeste. Não temos, portanto, um deslize único, mas um preconceito insistente e obstinado.

Nós, sudestinos, somos preconceituosos com o Nordeste e o Norte do Brasil, apesar de acharmos que não. Talvez o inconsciente de Bolsonaro se sinta à vontade de dizer o que diz, em uma transmissão para milhares de pessoas e ocupando o principal cargo público do país, porque sabe que, infelizmente, tem o respaldo silencioso de muita gente.

Em tempo: Favor não confundir o 'pau de arara' transporte com o 'pau de arara' instrumento de tortura composto de uma barra de ferro ou de madeira, na qual a vítima é pendurada pelas pernas e amarrada em concha, levando o sangue a parar de circular e o corpo inchar, a fim de provocar fortes dores e quebrar para sempre os adversários políticos. Esse foi usado amplamente por torturadores da ditadura militar, considerados heróis pelo presidente.