Dino é pessoa certa para moralizar emenda tal como Moraes é contra golpismo
Tal como o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, foi a pessoa certa na hora certa para evitar que a democracia brasileira fosse para o vinagre mediante a tentativa de golpe bolsonarista, seu colega Flávio Dino vem sendo a pessoa certa na hora certa para moralizar o comportamento do Congresso Nacional e sua relação com o Poder Executivo ao condicionar o pagamento de emendas ao cumprimento da Constituição.
Dino liberou, neste domingo (29), parte dos R$ 4,2 bilhões em emendas de comissão que haviam sido bloqueados após uma ação movida pelo PSOL. O ministro tinha cobrado dos deputados federais informações a fim de garantir transparência e rastreabilidade, ou seja, quem são os pais e mães desses envios e para que fim seriam destinados. A liberação pode ajudar a evitar prejuízo às prefeituras na área de saúde, mas o tamanho ainda está sendo avaliado.
Na decisão, ele voltou a criticar a Câmara. Afirmou que, após analisar as petições dos deputados pedindo a liberação dos recursos, verificou "o ápice de uma balbúrdia quanto ao processo orçamentário". Foi comedido dada a necessidade de não antecipar julgamentos, porque não se trata apenas de tumulto e confusão, mas de atos ilegais que poderiam financiar comportamentos criminosos.
Um exemplo disso foi trazido por Eduardo Militão, no UOL: uma investigação da PF que aponta o deputado Júnior Mano (PSB-CE) como tendo um "papel central" em um esquema de manipulação de eleições em 51 municípios no Ceará por meio de compra de votos e desvios de recursos de emendas parlamentares.
Segundo levantamento do UOL, 45% das emendas individuais do deputado Júnior Mano, entre 2021 e 2024, foi na modalidade de "emenda Pix", quando não há plano de trabalho prévio. Foram R$ 47 milhões dessa maneira, num total de R$ 104 milhões em emendas.
Se isso é o que acontece com um deputado de baixa expressão, imagine com centenas, incluindo os que têm muito poder. Por isso, o ministro defendeu o inquérito aberto pela Polícia Federal a seu pedido para investigar a liberação de emendas. O montante de safadezas pode ser bem maior do que outros escândalos de corrupção da história recente do país, como a Lava Jato.
Dino também ponderou que "a legítima celebração de pactos políticos entre as forças partidárias tem como fronteira aquilo que as leis autorizam, sob pena de o uso degenerar em abuso". Vale lembrar que irregularidades vêm sendo divulgadas pela imprensa aos montes, como na compra de kits de robótica para escolas em Alagoas, em sacos de boxe para cursos no Rio de Janeiro, na aquisição de ônibus escolares e tratores, entre outros.
Vou repetir o que aqui já escrevi: respostas simples, muitas vezes, são as mais difíceis de serem dadas. Você me traiu? Você colou na prova? Você roubou? Você encaminhou bilhões em dinheiro público de forma maquiada?
É uma resposta muito simples o que o ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal, vem pedindo da Câmara dos Deputados: quem são os pais e as mães, ou seja, quem liberou e, portanto, quem deve ser responsabilizado por bilhões em emendas parlamentares?
Enquanto o governo é pressionado a reduzir programas sociais para o ajuste fiscal, denúncias de mau uso de grana pública se avolumam envolvendo destinatários de emendas parlamentares. Grana que acaba sendo utilizada não para melhoria da qualidade de vida da população mais pobre, mas destinada a outro fim, não raro, escuso. Enriquecimento ilícito, caixa 2 para eleições, coquetéis de camarão.
É importante que parlamentares possam destinar recursos para as necessidades de suas bases eleitorais. A destinação de emendas é algo constitucional e democrático. O problema é que, desde o governo Dilma Rousseff, com a ação do então presidente da Câmara, Eduardo Cunha, passando pelas gestões Michel Temer, Jair Bolsonaro e Lula 3, elas se tornaram chave no sequestro do orçamento por parte do Congresso.
O processo é longo é penoso. Por isso, demanda, tal como o enfrentamento ao golpismo, quem tenha paciência para uma maratona desgastante e preparo para resistir a ataques e pressões. Se Dino conseguir moralizar um pouco esse processo, já terá dado um grau nas instituições da República.