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Fiel a Bolsonaro, ministro é sacrificado para salvar presidente do inferno
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"Foi um pedido especial que o presidente da República fez para mim." A demissão de Milton Ribeiro - após o Brasil saber que pastores cobravam pedágio em dinheiro, ouro e bíblias para liberar recursos do Ministério da Educação a prefeitos - não resolve o escândalo. Segundo o próprio ministro revelou em gravação transcrita na frase acima, o atendimento do desejo dos pastores ocorreu a pedido do próprio Bolsonaro.
Jair gosta da gestão alinhada à sua ideologia que Milton Ribeiro impõe no ministério, um instrumento de sua guerra cultural. E o pastor Milton é um auxiliar fiel, tanto que, prontamente, desdisse o que disse sobre o chefe - que sente pena de ter que entregá-lo ao sacrifício para salvar sua própria pele.
Entende-se os motivos do presidente, todos ligados à própria sobrevivência em ano eleitoral, ainda mais quando o caso impacta uma de suas bases mais preciosas, os evangélicos e suas lideranças. Mas são as razões do ministro topar sair e sair calado que seria interessante compreender.
Ao aceitar a demissão (licença é um termo bonito para demissão, pois ele dificilmente vai voltar), Milton Ribeiro passa para a história como um educador corrupto que transformou o ministério da Educação numa espécie de Sodoma da pedagogia - nos termos do livro de Ezequiel, capítulo 16, versículo 49.
As pessoas esquecem muita coisa. Esquecem, por exemplo, que o senador Fernando Collor de Mello foi cassado por corrupção quando presidente e que Valdemar da Costa Neto foi condenado e preso por corrupção. Tanto esquecem que estavam todos no palanque de Bolsonaro, neste domingo (27). Incluindo o general Augusto Heleno, que também esqueceu que uma vez cantou "se gritar pegar centrão, não sobra um meu irmão".
Mas é difícil, principalmente para os brasileiros mais religiosos, esquecerem que bíblias foram usadas para cobrar propina a fim de garantir acesso privilegiado a dinheiro público. Ao aceitar a demissão ou licença do ministro, o presidente terceiriza nas costas do auxiliar o escândalo que também é seu. Porque o pastor Gilmar Santos é de Jair, não de Milton.
A questão é como uma pessoa que já foi reitor de uma grande instituição de ensino aceita ir para o abatedouro tão passivamente em nome de uma pessoa que não fez o mesmo por ele. Ouvir na live semanal, do chefe que ele "bota a cara no fogo" pela gente é uma concessão barata para quem vai ver sua vida transformada em inferno. Será que Milton se encaixa no bolsonarismo-raiz, que faria tudo pelo mito? Será que ele e sua família sofreram pressão insuportável?
Não há vitória para a democracia apenas com a queda do preposto enquanto o dono da lojinha segue fazendo o que bem deseja com a coisa pública. É necessário investigar a responsabilidade do presidente, considerando que ele contava com boa relação com Gilmar Santos antes mesmo de Ribeiro assumir o cargo, que a primeira-dama nutre longa simpatia pelo religioso, que o senador Flávio Bolsonaro já declarou que sua família é grata a ele.
A instalação de um gabinete paralelo no Ministério da Educação, com pastores cobrando pedágio para liberar recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), não aconteceria sem o conhecimento e a anuência do presidente, da mesma forma que o gabinete paralelo do Ministério da Saúde, montado para fomentar o uso de tratamentos ineficazes contra a covid-19, funcionou com a benção de Jair.
O fato de Jair ser blindado pelo centrão na Câmara dos Deputados e pelo procurador-geral da República (que vai investigar apenas Ribeiro), tornando praticamente impossível sua cassação, não exclui a importância de ele ser responsabilizado politicamente por seus atos.
"Foi um pedido especial que o presidente da República fez para mim." Nesse contexto, a frase dita por Ribeiro e que deu estopim à sua queda poderia, ironicamente, ser usada para explicar o último favor que ele fez a Bolsonaro, o seu próprio sacrifício. O escândalo deve terminar em pizza para a satisfação de Jair - pizza que o ministro serviu, mas que ele mesmo não irá comer.