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Gafe de Bush sobre Ucrânia lembra 'golpe' de Temer e 'mentira' de Bolsonaro
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O ex-presidente dos Estados Unidos George W. Bush fez a alegria dos psicanalistas, nesta quarta (18), ao confundir a invasão de Vladimir Putin à Ucrânia com a invasão que ele ordenou ao Iraque em 2003.
"A decisão de um homem de lançar uma invasão totalmente injustificada e brutal do Iraque. Quero dizer, da Ucrânia", disse em evento. Depois, completou: "Do Iraque também. Enfim, tenho 75 anos", para o riso da plateia.
Pode parecer divertido, mas isso não tem graça alguma para as famílias dos mortos iraquianos. Bush começou uma guerra sob a justificativa de que o país tinha armas de destruição em massa, o que era mentira. O que bastante por lá é petróleo.
Quando uma pessoa está mentindo por muito tempo, mais cedo ou mais tarde, é traída pelo inconsciente. Até porque manter o caô publicamente exige muita energia e a verdade é algo que esmaga por dentro, forçando confissões.
Em 16 de setembro de 2019, o ex-presidente Michel Temer disse: "Eu jamais apoiei ou fiz empenho pelo golpe." A declaração, durante o programa Roda Viva, da TV Cultura, surpreendeu por usar a palavra "golpe" ao se referir à cassação do mandato de Dilma Rousseff.
Menos de um minuto depois, repetiu - talvez para tirar a dúvida de quem achou ter ouvido errado: "O telefonema do ex-presidente Lula [pedindo para que Temer intercedesse junto ao MDB a fim de salvar o governo] revela, exata e precisamente, que eu não era, digamos, adepto do golpe".
De todas as críticas recebidas, e foram muitas, Temer nunca escondeu a dificuldade de digerir as acusações de "golpista" e "conspirador". Mas a forma com a qual tratou duplamente o tema foi tão fora do comum que fez com que o ex-presidente se tornasse um dos assuntos mais falados no Twitter.
"Freud dizia que é muito difícil mentir porque o que calamos com os lábios revela-se pelo movimento de nossos dedos. A verdade, expulsa pela porta da frente, hoje, reaparecerá pela janela dos fundos, amanhã", me explicou na época o psicanalista Christian Dunker, professor titular do Departamento de Psicologia Clínica do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo.
Atos falhos tornam-se mais proeminentes em situações nas quais a pessoa parece ter conhecimento dos assuntos tratados, como no caso dos dois ex-presidentes. Ou de um presidente.
No dia 27 de abril, falando em um evento no Palácio do Planalto, Jair Bolsonaro afirmou que "temos um chefe do Executivo que mente". Ele é o chefe do Poder Executivo.
O presidente criticava o ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal, que havia sido presidente do Tribunal Superior Eleitoral - alvo preferido de Bolsonaro.
"Se um militar mente, acabou a carreira dele. Temos um chefe do Executivo que mente. O TSE convidou as Forças Armadas a participarem do processo. Será que eles se esqueceram que o chefe supremo das Forças Armadas sou eu?", afirmou.
Bolsonaro tem se notabilizado pela quantidade de mentiras contadas em discursos ou em suas redes sociais. Dado a quantidade de coisas que ele tem que sustentar, é claro que esse não foi o seu único ato falho.
Em 25 de março do ano passado, por exemplo, ele afirmou em sua live semanal que "as medidas contra as vacinas começaram a ser tomadas lá atrás. Muita gente nega isso aí, é negacionista, vamos assim dizer."
O governo Bolsonaro é acusado de ter agido conscientemente para retardar a compra das vacinas contra a covid-19 no relatório final da CPI da Covid.
Os senadores citam o exemplo do laboratório Pfizer, que procurou insistentemente o governo para vender seu imunizante, sendo ignorado. Bolsonaro só deu atenção que a vacina merecia quando o então governador João Doria se preparava para aplicar CoronaVac nos paulistas. Caso tivesse atendido a Pfizer, milhões de doses teriam chegado ainda em 2020, salvando milhares de brasileiros.
"Atos Falhos - ou parapraxias - envolvem duas condições: a emergência de uma palavra ou expressão no discurso, seguida de uma correção ou negação do ocorrido. Para a psicanálise, isso acontece porque há uma cadeia de pensamentos, inconsciente, que se encontra suprimida e emerge revelando um fragmento da verdade queremos suprimir a nós mesmos", explica Dunker.
Supressão que, mais cedo ou mais tarde, se rompe e aflora. Daí, a questão é o que fazemos com as verdades confessadas pelos chefes e ex-chefes de Estado - o que diz muito sobre a psique de um povo.