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Leonardo Sakamoto

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Incapaz de ajudar quem vive na Cracolândia, governo de SP prende quem ajuda

O psiquiatra Flávio Falcone, 42, durante a operação policial na cracolândia da rua Helvétia, centro de São Paulo - Danilo Verpa/Folhapress
O psiquiatra Flávio Falcone, 42, durante a operação policial na cracolândia da rua Helvétia, centro de São Paulo Imagem: Danilo Verpa/Folhapress

Colunista do UOL

02/09/2022 10h34

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Em uma inversão bizarra de valores, a polícia de São Paulo prendeu o psiquiatra e palhaço Flávio Falcone e sua trupe, que ajudam tanto pessoas que fazem uso problemático de drogas quanto aquelas em situação de rua, durante uma operação na Cracolândia da rua Helvétia, no centro da capital, nesta quinta (1).

Com ele foi apreendida uma arma de destruição em massa: um bicicleta com uma caixa de som usada para fazer suas intervenções, como registra matéria da Folha de S.Paulo. Levados ao 77º Distrito Policial sob a alegação de perturbação do trabalho e do sossego alheio, foi solto graças à atuação diligente da Defensoria Pública de São Paulo.

Claro que as Cracolândias não serão resolvidas com as pessoas dando os braços umas às outras em ciranda, xingando autoridades através do Twitter ou soltando balões grafados com a palavra "esperança".

Muito menos entregando os usuários a comunidades terapêuticas picaretas que, literalmente, escravizam os seus membros.

O governo do Estado adotou uma estratégia que pode dar frutos políticos de curto prazo, mas pode representar um grande estelionato eleitoral.

Ele vem investindo em atacar o fluxo de pessoas e, a partir do espalhamento dos usuários para longe da influência dos traficantes, tentar uma abordagem psicossocial individualizada.

O problema é que essa escolha transformou uma questão de saúde pública, que deveria ser resolvida com a criação de portas de saída, em batalhas campais, com bombas, balas e correria, em que usuários saem feridos.

Vivendo a guerra, os usuários não vão buscar apoio porque temem aqueles que dizem que vão ajuda-los. Daí, prende-se um traficante e, logo na sequência, outro assume seu lugar.

Ao mesmo tempo, a população do local e os comerciantes ficam acuados. E acuados, eles têm cobrado medidas duras do poder público contra os usuários. Em ano eleitoral, o governo precisa mostrar serviço. E o braço mais visível é a polícia.

Há muitas razões que levam pessoas ao fluxo das drogas. O impacto da crise econômica é uma delas, a desestruturação da vida familiar por questões pessoais pode ser outra. O fato é que não há saídas mágicas para tirá-las de lá e qualquer solução passa, primeiro, por escuta, conversa e atenção.

Ou seja, incapaz de ajudar quem vive na Cracolândia, o governo de São Paulo manda quem ajuda para a delegacia.

Há algo de muito errado em um Estado que prende um palhaço.