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Leonardo Sakamoto

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Lacração de Bolsonaro com gasolina omite que ele achatou salários no Brasil

Jair Bolsonaro critica preços da gasolina em posto em Londres - Reprodução
Jair Bolsonaro critica preços da gasolina em posto em Londres Imagem: Reprodução

Colunista do UOL

19/09/2022 11h41

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Jair Bolsonaro dobrou a aposta na ignorância do eleitorado ao comparar o preço da gasolina em Londres com o do Brasil sem levar em consideração que lá ganha-se mais do que aqui. Involuntariamente, acabou lembrando aos brasileiros que ele derrubou o poder de compra do salário mínimo nos últimos anos, o que ajudou a levar a fome a 33 milhões de pessoas.

"Estou aqui em Londres, Inglaterra. O preço da gasolina: 1,61 libras. Isso dá, aproximadamente, 9,70 reais o litro. Ou seja, praticamente o dobro da média de muitos estados do Brasil", disse.

De acordo com o site do governo do Reino Unido, o salário mínimo lá é de 9,5 libras por hora para pessoas com 23 anos ou mais. Isso equivale a mais de R$ 57 - o que é mais de dez vezes o salário mínimo no Brasil, de 5,51 reais/hora.

Ele já tinha adotado o mesmo raciocínio indigente ao afirmar, no dia 11 de maio, que o preço da picanha no Brasil é metade daquele praticado no Canadá. Mas o salário mínimo federal no Canadá é de 15,55 dólares canadenses/hora, ou quase R$ 62.

O que se destaca nas comparações entre Reino Unido, Canadá e Brasil é o nosso salário mínimo ridículo. De acordo com levantamento mensal do Dieese, em agosto, o valor necessário para a manutenção de uma família de quatro pessoas deveria ter sido de R$ 6.298,91, ou 5,20 vezes o mínimo de R$ 1.212,00.

Mas o governo Bolsonaro acabou com a política de valorização do salário mínimo e permitiu uma inflação galopante que corroeu o poder de compra dos trabalhadores, transformando até o leite em produto de luxo.

Se tudo correr como o planejado pelo seu governo, Jair Bolsonaro vai ter passado quatro anos sem dar um reajuste real (ou seja, acima da inflação) do salário mínimo.

No primeiro ano do atual mandato, o ministro da Economia, Paulo Guedes, já avisava que aumentar o salário mínimo acima da inflação iria "estimular desemprego em massa". É a mesma pessoa que, em 27 de abril de 2021, reclamou que o aumento da expectativa de vida dos brasileiros dificultava que o governo fechasse as contas: "Todo mundo quer viver 100 anos, 120, 130. Não há capacidade de investimento para que o estado consiga acompanhar".

E mesmo quem recebe benefícios sociais para ajudar as contas a fechar no final do mês também tem vivido um inferno com a redução do poder de compra trazida pela inflação. Sim, os R$ 600 do Auxílio Brasil já não valem a mesma coisa que valiam quando foram pagos na forma de auxílio emergencial em 2020.

A valorização do salário mínimo foi um dos mais importantes instrumentos de redução da pornográfica desigualdade no Brasil, um dos países que mais concentra renda em todo o mundo. O enterro dela por Bolsonaro interrompeu um quarto de século de melhoria, que começou de forma informal pelo PSDB, foi transformada em lei pelo PT e mantida pelo MDB.

Há quem diga que devemos combater só a pobreza, não a desigualdade. Bobagem. A desigualdade dificulta que as pessoas vejam a si mesmas e às outras pessoas como iguais e merecedoras da mesma consideração. Leva à percepção de que o poder público existe para servir aos mais abonados e controlar os mais pobres. Ou seja, que a polícia e a política protegem os privilégios do primeiro grupo, usando violência contra o segundo. Com o tempo, a desigualdade leva à descrença nas instituições.

Além do mais, salário mínimo não é caridade e sim uma garantia institucional de uma remuneração mínima por um trabalho feito.

De acordo com a Constituição Federal, artigo 7º, inciso IV, ele deveria ser "capaz de atender às suas necessidades vitais básicas e às de sua família, como moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, reajustado periodicamente, de modo a preservar o poder aquisitivo, vedada sua vinculação para qualquer fim".

Enche-se a boca para reclamar dos bilhões a serem gastos a mais com cada real do mínimo. Finge-se ignorar que isso vai impulsionar o consumo de milhões de famílias, rodar a economia em locais pobres e, sobretudo, tornar a vida de uma parcela da população menos sofrida.

Mas quando os bilhões são aqueles destinados ao perdão de dívidas de grandes produtores agrícolas ou na rolagem de dívidas de outros setores empresariais, reina o silêncio. Ou pior, o deslavado.

Bolsonaro conta com o desconhecimento sobre economia para fazer comparações esdrúxulas, mas apenas os 21%, segundo o Datafolha, que acreditam nele em todas as circunstâncias caem nessa conversa.

Os que ganham até dois salários mínimos, que são mais da metade da população, seguem refratários a apoiá-lo por entenderem, na vergonha passada no dia a dia das feiras livres e dos caixas de supermercados, que a vida em Londres e no Canadá certamente deve ser bem melhor do que aquela proporcionada por Jair em seu governo.