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Leonardo Sakamoto

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Juros altos quebram uma economia, e não R$ 18 a mais no salário mínimo

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Imagem: GETTY IMAGES

Leonardo Sakamoto

Colunista do UOL

15/02/2023 08h26

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O governo Lula decidiu aumentar novamente o salário mínimo, a partir do Primeiro de Maio, para R$ 1.320. O valor já era previsto no orçamento aprovado no Congresso Nacional, mas o governo temia o impacto do pagamento dos beneficiários do INSS nas contas públicas.

O número está longe do que foi defendido pelas centrais sindicais durante as eleições (R$ 1.342), mas se distancia de Bolsonaro, que abandonou a política de valorização do mínimo, reajustando-o apenas pela inflação durante quatro anos. O primeiro reajuste de Lula, que vale desde Primeiro de Janeiro, havia sido de R$ 90 acima da inflação. Agora, virão mais R$ 18.

Se você não depende do mínimo para sobreviver porque faz parte do grupo que não tem que escolher o que deixar de fora no caixa do supermercado para que as compras caibam no que tem na carteira ou na bolsa, pode estar pensando que muito barulho está sendo feito por 18 mangos. Mas isso equivale a um quilo de arroz, de feijão e de cebola.

O que faz diferença no mês para cerca de 72 milhões de pessoas, entre aposentados e pensionistas, empregados com carteira assinada, trabalhadores autônomos e trabalhadoras empregadas domésticas, entre outros, que têm seu rendimento referenciado no mínimo.

Membros da mesma elite que vocifera contra o aumento do salário mínimo acima da inflação, dizendo que a economia não aguenta, são os mesmos que defendem os juros altos do Banco Central, justificando-se que é pelo bem dos mais pobres. Seria ótimo que jornalistas e consultores que xingam quem pede juros menores em veículos de comunicação colocassem ao final de suas análises um disclaimer informando se lucram pessoalmente com esses juros.

Paulo Guedes colocou uma pá de cal na política implementada durante os anos do PT que considerava o INPC do ano anterior e a variação do PIB de dois anos antes para reajustar o mínimo. O ex-ministro da Economia dizia que isso iria estimular o desemprego em massa. Tanto que muita gente do andar de cima trata o fim dessa política como herança bendita de Bolsonaro. É de lascar.

Mas ela levou a um aumento no seu poder de compra e a melhoria na qualidade de vida de milhões de pessoas. O reajuste acima da inflação é uma das ações mais importantes para melhorar a qualidade de vida do andar de baixo. Salário mínimo não é programa de distribuição de renda, é uma remuneração mínima - e insuficiente - por um trabalho realizado. Não é caridade e sim uma garantia institucional de um mínimo de pudor por parte dos empregadores e do governo na relação de compra e venda de mão de obra, a base do capitalismo.

No Brasil, o debate sobre o salário mínimo vem acompanhado de muitas lamentações. Mas aquelas que ganham destaque vêm principalmente de economistas, analistas, empresários, políticos, ou seja, exatamente quem não sobrevive com o mínimo.

Uma das defesas mais enfáticas feitas por muita gente cheirosa nos últimos anos foi de que as aposentadorias fossem desvinculadas do mínimo. Pois, para eles, os aposentados não deveriam receber aumentos na mesma progressão que a população economicamente ativa. Em outras palavras, quem pode vender sua força de trabalho merece comer, pagar aluguel, comprar remédios. O governo tem que se preocupar em garantir a manutenção da mão de obra para as empresas. O resto que se dane.

Outra lamentação é o custo desse aumento para o país, como se uma variação positiva não significasse aquecimento na economia de locais de baixa renda, gerando empregos e melhorando a qualidade de vida de milhões.

O que deve passar pela cabeça de uma pessoa que mora no interior do país, recebe um mínimo e tem que depender de programas de renda mínima quando vê na sua TV especialistas dizendo que quem defende um aumento maior não pensa no país. E, na sequência, vê notícias de perdões de dívidas de grandes empresas.

Ou quando descobre que os mais ricos são porcamente tributados, isentos em bilhões da taxação de dividendos que recebem de suas empresas, pagando proporcionalmente menos que a classe média.

Lula prometeu que, até o Primeiro de Maio, Dia dos Trabalhadores, uma nova política para valorização será apresentada, fruto da discussão com as centrais sindicais e empresários. Cobremos isso.

A defesa de uma política de valorização real do mínimo não é contra a responsabilidade fiscal, tampouco insinua que os favoráveis a restringir o aumento à correção monetária fazem isso por "maldade".

Mas abandonar a política usando como justificativa a crise econômica, como foi feito na Era Jair, foi negar coletes salva-vidas um pouquinho melhores para a turma que não tem nada e que, convenhamos, não teria acesso aos botes salva-vidas porque estava na terceira classe quando um iceberg bateu no casco do navio.

Em tempo: De acordo com a Constituição Federal, artigo 7º, inciso IV, o salário mínimo deveria ser "capaz de atender às suas necessidades vitais básicas e às de sua família, como moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, reajustado periodicamente, de modo a preservar o poder aquisitivo, vedada sua vinculação para qualquer fim". De acordo com cálculo mensal feito pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Econômicos (Dieese), desde 1994, isso seria hoje R$ 6.641,58.