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Leonardo Sakamoto

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Transfobia de mini Bolsonaro testa os limites da extrema direita na Câmara

Colunista do UOL

09/03/2023 04h00

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Caso a Câmara dos Deputados não casse o mandato de Nikolas Ferreira (PL-MG) ou imponha a ele uma severa punição por transformar a tribuna parlamentar em um show bizarro de transfobia no Dia Internacional da Mulher, vai acabar se tornando refém de uma extrema direita preconceituosa e violenta. E, desta vez, refém de graça.

O centrão, que controla a Câmara, tem como uma de suas características o fisiologismo, não o ultraconservadorismo. Essa é uma das razões pelas quais as pautas em costumes e comportamentos do então presidente Jair "Joias" Bolsonaro, como a redução da idade mínima para trabalhar ou a proibição do aborto em caso de estupro, não terem tramitado facilmente.

O centrão enxerga ganhos econômicos em passar a boiada sobre direitos ambientais, indígenas e trabalhistas. Mas não quer ser visto como o responsável por tentar impedir uma menina de dez anos, grávida após ser estuprada pelo próprio tio desde os seis no Espírito Santo, de interromper a gestação para preservar a própria vida. Sim, os assessores da então ministra e hoje senadora Damares Alves fizeram isso.

Durante o mandato de Joias Bolsonaro, algumas concessões à pauta de costumes e comportamento do capitão foram feitas em meio aos bilhões pagos em emendas e aos cargos concedidos. Mas após a derrota do Patriarca dos Diamantes e das Rachadinhas, e com o Brasil sob nova administração de Lula, a extrema direita foi para a oposição, como minoria.

Não haveria razão de o establishment da Câmara aceitar agora que um deputado ultraconservador, mesmo que tenha sido o mais votado do país, transforme o púlpito da casa em penico. Isso passa a impressão de que a cúpula do parlamento se dobra às necessidades de produzir memes e agredir pessoas de alguém que se porta como um mini Bolsonaro.

Arthur Lira se manifestou, claro. "O Plenário da Câmara dos Deputados não é palco para exibicionismo e muito menos discursos preconceituosos. Não admitirei o desrespeito contra ninguém. O deputado Nikolas Ferreira merece minha reprimenda pública por sua atitude no dia de hoje", afirmou o presidente da casa.

O pito, contudo, é pouco eficaz. Pois ele foi eleito com essa plataforma e com objetivo de fomentar o caos, e acredita que os votos que recebeu lhe darão proteção para rasgar a Constituição quantas vezes desejar.

Tabata Amaral (PSB-SP) e Érika Hilton (PSOL-SP) disseram que vão entrar com pedido de cassação do mandato. Hoje, se o caso for para o Conselho de Ética, o mais provável é que receba uma moção de repúdio ou, no máximo, um gancho por suas declarações criminosas, seguindo o padrão de impunidade baseado na imunidade. Afinal, há deputados com receio de ver limitada a sua liberdade de vomitar tranqueiras na tribuna que vão passar um pano para o comportamento do colega.

Assim como foi com Joias Bolsonaro que, como deputado federal, chegou a dizer que não estupraria a deputada federal Maria do Rosário porque achava que ela era feia, segundo suas próprias palavras. E ficou por isso mesmo.

O crime cometido contra as pessoas trans e a dignidade humana foi um teste. Hoje, foram Hilton e Duda Salabert (PDT-MG), as primeiras deputadas federais trans da história do Brasil. Se a Câmara não reagir, da próxima vez o ataque da extrema direita atingirá outros grupos. E, mais cedo ou mais tarde, vai chegar ao próprio centrão.

A menos que a cúpula da Câmara decida começar essa legislatura botando ordem na casa, punindo o deputado com a perda de seu mandato ou um gancho bem longo, a leniência passará a imagem de que a extrema direita pode atacar colegas e cometer crimes, atropelando os ritos, as regras e, principalmente, os líderes.

Em outras palavras, que o parlamento não é a Casa de Lira, nem mesmo da Mãe Joana, mas de Nikolas.