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Leonardo Sakamoto

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Brasil precisa responder se políticos e milicianos mandaram matar Marielle

A vereadora Marielle Franco (Foto: Reprodução/Instagram) - A vereadora Marielle Franco (Foto: Reprodução/Instagram)
A vereadora Marielle Franco (Foto: Reprodução/Instagram) Imagem: A vereadora Marielle Franco (Foto: Reprodução/Instagram)

Colunista do UOL

14/03/2023 04h00

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A execução de Marielle Franco e Anderson Gomes completa cinco anos nesta terça (14). Tão assustador quanto o assassinato bem planejado de uma das vereadoras mais votadas de nossa segunda maior cidade, vitrine do país no exterior, é o fato de, meia década depois, não conhecermos os mandantes do crime, nem a razão de terem morrido. Pior: a hipótese de envolvimento de políticos não pode ser descartada. Ainda mais no Rio, onde a política hegemônica apodreceu e a milícia ocupa espaços de poder.

A Polícia Civil e o Ministério Público do Rio afirmam que os executores são o policial militar da reserva Ronnie Lessa, acusado de ter feito parte de um grupo de matadores de aluguel, e o ex-PM Élcio Vieira de Queiroz. Eles estão presos, aguardando o tribunal do júri.

Em setembro do ano passado, Lessa - que coincidentemente é vizinho de Jair Bolsonaro em um condomínio no Rio - foi condenado a 13 anos por tráfico de fuzis. Sob o governo Lula, a Polícia Federal abriu um inquérito para ajudar no caso, que já teve cinco delegados conduzindo o inquérito.

Se a participação de ex-policiais é um ultraje, a percepção correta de militantes pelos direitos humanos e de parte da sociedade de que políticos podem ter sido os responsáveis por ordenar o assassinato de uma representante eleita, liderança negra e LGBTQI+, nascida em uma das maiores favelas do Rio, é em si um sinal inequívoco de falência de nosso contrato social.

A resolução da morte de Marielle e Anderson, seu motorista, não é apenas uma questão de Justiça, mas uma necessidade para que as promessas de igualdade presentes na Constituição Federal de 1988 não sejam letra morta mantida sob aparelhos para enganar quem ficou do lado de fora da festa da democracia.

"Pode matar" é a mensagem ainda hoje enviada pelo Estado brasileiro diante da ausência da revelação não só dos mandantes da morte de Marielle e Anderson, mas daqueles que ordenaram tantos outros crimes pelo país. Mulheres, negras, lésbicas, pessoas de origem pobre, defensores de direitos humanos, políticos que não se vendem ao sistema, jornalistas são ainda mais matáveis por conta desse silêncio.

Ao mesmo tempo, o recado que o país envia à sua população e ao mundo é de que, além dos direitos sociais, econômicos, culturais e ambientais, os mais pobres por aqui também não devem contar com direitos civis e políticos. Pois seus representantes são descartáveis e podem ser executados tanto por sua atuação, quanto para servirem de recado.

Sem contar que isso deixa claro que o Rio tem dono e não é a esmagadora maioria da população honesta que nele habita. Independente de quem seja apontado como responsável pelas execuções (se isso vier a acontecer, claro, pois é possível que nunca saibamos), o Estado já é culpado de muitas formas e maneiras pelo que aconteceu.

Às vésperas da execução completar cinco anos, a máquina de ódio do bolsonarismo estava girando alto nas redes, tentando bombar novamente o nome de Adélio Bispo, responsável pelo atentado contra o então candidato Jair Bolsonaro em setembro de 2018. A tática repete o que a odiosfera faz no aniversário do crime, todos os anos.

A comparação é vergonhosa. Vários delegados já estiveram à frente da investigação do caso de Marielle e Anderson, mas, até agora, os mandantes não foram apresentados, nem o porquê das mortes. Já o caso de Bolsonaro foi resolvido pela própria Polícia Federal que apontou Bispo como alguém com transtornos mentais que planejou e esfaqueou Jair em um ato solitário. Por decisão da Justiça, ele está internado por tempo indeterminado.

Essas postagens do bolsonarismo, em uma data simbólica como esta, tentam substituir o nome da vereadora pelo do presidente como a principal vítima de um atentado político não resolvido no Brasil. Ignorando o principal: Jair está vivo, Marielle, não. Até na morte, o bolsonarismo tenta roubar o protagonismo de uma mulher negra, LGBTQIA+, de origem pobre.

Mentiras, como ela ter sido financiada pelo Comando Vermelho ou casada com o traficante Marcinho VP, foram bombadas logo após o crime por grupos de extrema direita, sendo compartilhadas até por políticos e magistrados. "Marielle foi assassinada e, no dia seguinte, políticos e autoridades, inclusive do Poder Judiciário, se dedicaram a matá-la novamente", resumiu o ministro da Justiça, Flávio Dino, nesta segunda.

Tal como foi morta novamente quando Daniel "Surra de Gato Morto" Silveira, herói do bolsonarismo por ameaçar ministros do STF, depois abandonado quando voltou a ser inútil, rasgou uma homenagem a ela em plena campanha eleitoral em 2018 - para o delírio de imbecis que prestigiavam o ato.

Nestes cinco anos, vale também lembrar que não são apenas os civis que devem carregar o peso da vergonha sobre o caso. A execução de Marielle e Anderson ocorreu durante a intervenção do Exército na área de Segurança Pública do Rio de Janeiro, decretada pelo então presidente Michel Temer em 16 de fevereiro de 2018 e que duraria até o final do ano.

O plano para matar Marielle não foi detectado pela inteligência das Forças Armadas, tão celebradas. O general Braga Netto, que depois se tornaria homem forte do bolsonarismo e vice na chapa de Jair à reeleição, era o interventor.

Em dias como este, é bom lembrar que Marielle foi executada sob a gestão daqueles que são muito bons em impor postos de controle para que pobres entrem e saiam de suas comunidades, mas péssimos em garantir a vida se ela não refletir o que eles veem no espelho.