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Leonardo Sakamoto

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

'Caixa eletrônico' de Michelle, Mauro Cid sabe origem da grana de Bolsonaro

Colunista do UOL

24/05/2023 10h10

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"Eu faço depósito, eu não faço transferência bancária, não."

Mauro Cid não fazia Pix, DOC, TED, nem transferência bancária. Não que o então faz-tudo de Bolsonaro desconhecesse como usar um aplicativo de banco, mas, ao que tudo indica, a primeira-família não conseguiu largar o antigo hábito de usar dinheiro vivo, mais difícil de ser rastreado e ótimo para maracutaias.

A cereja do bolo da nova safra de mensagens do celular do tenente-coronel, revelada por Aguirre Talento, no UOL, nesta quarta (24), foi a resposta que deu a uma assessora da primeira-dama, que deu a ele os dados de Pix para pagamento do veterinário do pet e da podóloga da patroa.

Em outra mensagem, uma assessora diz que Michelle Bolsonaro solicitou R$ 3 mil e que se não fosse possível depositar na sua conta, um mensageiro iria buscar. Algumas horas depois, Cid enviou um comprovante de depósito em dinheiro. Em ainda outra, ele pede a outro militar que trabalhava com ele, o tenente Osmar Crivelatti, que fosse feito um depósito de R$ 4,9 mil para a "Dama".

Preso em meio à investigação da fraude dos registros de vacinação de Jair Bolsonaro, Cid deve estar pensando na bobagem que fez ao largar um futuro promissor, que esperava o ex-aluno da Academia Militar das Agulhas Negras, primeiro colocado na Escola de Comando e Estado-Maior do Exército e na Escola de Aperfeiçoamento de Oficiais, para se tornar um caixa eletrônico humano em meio a um esquema de mutreta.

A família Bolsonaro disse que a origem dos recursos era a conta pessoal do então presidente da República e que eles preferiam fazer transações em dinheiro vivo para preservar o anonimato e a segurança. Como tem sempre um chinelo velho para um pé cansado, há rebanho que se distrai com esse toque de berrante. A Polícia Federal, contudo, avalia que grana pública pode ter abastecido os mimos de Michelle.

"O conjunto probatório colhido durante o estudo do material apreendido (inclusive o contido em nuvem) permite identificar uma possível articulação para que dinheiro público oriundo de suprimento de fundos do governo federal fosse desviado para atendimento de interesse de terceiros, estranhos à administração pública, a pedido da primeira-dama Michelle Bolsonaro, por meio de sua assessoria, sob coordenação de Mauro Cid", aponta trecho de relatório da PF, publicado por Aguirre Talento, no UOL.

Cid é peça central para desvendar várias maracutaias envolvendo os Bolsonaro. Além do registro falso de vacina, que permitiu ao ex-presidente permanecer tranquilo nos Estados Unidos, há a tentativa de surrupiar joias dadas ao país pela Arábia Saudita (ele intermediou a tentativa de liberação na Receita Federal), as lives realizadas por Jair atacando a democracia o sistema de votação (do qual ele foi participante) e a própria mutreta envolvendo os gastos de Michelle, entre coisas que ainda nem descobrimos.

Ao depor na Polícia Federal, ele ficou em silêncio sobre a questão dos registros de vacinação (evitando inocentar Jair, ao contrário do que o ex-chefe esperava) e, no depoimento sobre as joias, disse que tentou reavê-las a pedido do então presidente. Bolsonaro já avisou que "cada um segue a sua vida", abandonando Cid na beira da estrada, como já fez com aliados que caíram em desuso.

Já não é novidade que Mauro Cid fazia pagamentos na boca do caixa em dinheiro vivo em nome da família Bolsonaro. A imprensa vem denunciando essa situação usada por grupos que querem esconder irregularidades, como já fizeram a Folha de S.Paulo e o portal Metrópoles. As mensagens e os áudios, no entanto, reforçaram que o escândalo pode ser mais uma porta de entrada da família para o sistema penal.

Enquanto empresas e sociedade usam e abusam de transferências bancárias e do Pix, não tendo receio de que suas movimentações estejam registradas para a fiscalização, eles tentavam encobrir os rastros. Em outra conversa entre assessoras: "Perguntei para ela se ela [Michelle] queria transferir Pix, né? Daí, ela falou: não, vamos fazer agora tudo depósito, que, aí pede pro Vanderlei fazer o depósito, a gente consegue o dinheiro e faz o depósito".

A investigação da PF que busca descobrir se despesas pessoais de Jair Bolsonaro e da primeira-dama foram pagas com dinheiro do público sugere que o presidente atualizou o desvio de salários de servidores dos gabinetes da família em algo mais chique: o uso de dinheiro da Presidência da República. E que as funções de saque e depósito de Fabrício Queiroz, antigo faz-tudo da família da época em que o presidente era deputado federal, ficaram a cargo de alguém mais graduado, o tenente-coronel Mauro Cid, seu ajudante de ordens.

Talvez não tenha tempo para limpar sua biografia como militar, mas sua capivara criminal pode ser amenizada se Cid falar tudo o que sabe. Talvez dessa forma, deixe de ser visto como um caixa eletrônico e volte a ser encarado como um cidadão.

O envolvimento de Cid e de outros militares em falcatruas na última gestão, como os coronéis citados em pedidos de propina na compra de vacinas, também gera uma reflexão importante para as Forças Armadas. Valeu a pena?