Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.
Ciro Nogueira disse que EUA temiam recusa de Bolsonaro em aceitar derrota
Receba os novos posts desta coluna no seu e-mail
O senador Ciro Nogueira (PP-PI), ex-ministro-chefe da Casa Civil, disse ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que a preocupação de representações estrangeiras, convocadas por Jair Bolsonaro (PL) para uma reunião no Palácio do Alvorada no qual atacou sem provas o sistema eleitoral em julho do ano passado, não era com problemas na urna eletrônica, mas com a possível recusa do presidente em aceitar os resultados.
O depoimento consta do voto de Benedito Gonçalves, relator da ação que pode levar à inelegibilidade do ex-presidente pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE). O ministro votou por suspender os direitos políticos de Bolsonaro por oito anos, na noite desta terça (27), devido a abuso do poder político e uso indevido de recursos públicos visando à sua reeleição.
"A testemunha descreve a preocupação do representante diplomático dos Estados Unidos da América com a instabilidade democrática no Brasil. O foco do receio não era algum risco de fraude no sistema de votação, mas a instabilidade política provocada pelo movimento de recusa à legitimidade dos resultados eleitorais", diz o voto de Gonçalves.
Nesse sentido, disse a testemunha: 'Eles tinham preocupação sobre a situação dessas discussões políticas e conflitos, né? Mas sobre a funcionalidade do sistema, não'", completa.
Na quinta, o julgamento continua com os votos dos outros seis ministros da corte. A tendência é pela inelegibilidade.
Ciro Nogueira também afirmou ao TSE que discordava da reunião com embaixadores estrangeiros e que o evento era "superdimensionado e evitável". O voto de Benedito Gonçalves afirma que o ex-ministro "não teria tido, pelo que relata, oportunidade para informar ao então Presidente da República que era desfavorável ao plano".
O testemunho do senador tem peso especial porque ele exercia, na prática, a função de primeiro-ministro do governo Bolsonaro. De acordo com Gonçalves, o senador e liderança do centrão afirmou que não ajudou o então presidente a preparar o material que foi apresentado, não foi chamado a discutir a abordagem e desconhecia o que seria dito. Ou seja, não teve nada a ver com aquilo.
"A testemunha deixou evidente que esteve alheia ao planejamento da reunião de 18/07/2022. O ex-chefe da Casa Civil informou que não foi consultado sobre nenhum aspecto relevante da reunião com embaixadoras e embaixadores. Não teria tido, pelo que relata, oportunidade para informar ao então presidente da República que era desfavorável ao plano", diz Gonçalves.
Nogueira, dessa forma, tentou se desvencilhar das consequências negativas da reunião criada por Bolsonaro como ato de campanha eleitoral transmitido pela TV pública. Na mesma linha estavam os depoimentos do então chanceler Carlos França e do ex-assessor para assuntos estratégicos da Presidência, Flávio Rocha, também citados no voto.
Para deixar claro sua discordância, o ex-ministro preferiu, logo no começo de seu depoimento, expressar confiança no sistema eletrônico de votação e reconhecer a atuação da Justiça Eleitoral em seu contínuo aperfeiçoamento. Distanciou-se, dessa forma, da abordagem do ex-presidente que, durante os últimos anos, afirmou em eventos, discursos e comícios exatamente o oposto.
Na análise de Benedito Gonçalves, o ex-presidente Jair Bolsonaro foi "integral e pessoalmente responsável pela concepção intelectual do evento objeto desta ação".
"Isso abrange desde a ideia de que a temática se inseria na competência da Presidência da República para conduzir 'relações exteriores' (percepção distinta da que externou o chanceler ao conceituar a matéria como 'tema interno'), até a definição do conteúdo dos slides e a tônica da exposição (que parecem ter sido lamentadas pelo ex-ministro-chefe da Casa Civil)", analisa o ministro relator.
Ironicamente, Ciro Nogueira havia sido chamado pela defesa de Bolsonaro.