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Leonardo Sakamoto

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Taxar super-rico na 2ª fase da reforma tributária é pedreira para esquerda

 Reprodução/ USP Imagens
Imagem: Reprodução/ USP Imagens

Colunista do UOL

08/07/2023 16h10

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A reforma tributária aprovada pela Câmara e em análise no Senado obriga o governo Lula a apresentar um projeto de mudança no imposto de renda em até 180 dias da promulgação da emenda constitucional. Essa segunda etapa é um velho objetivo de partidos da esquerda, que acreditam que isso é tão ou mais importante que a simplificação dos impostos de consumo, pois pode ajudar a reduzir a desigualdade social ao taxar de forma progressiva os super-ricos.

Contudo, enviar é uma coisa, aprovar é outra completamente diferente. Vale lembrar que isso afetará as contas particulares de muitos parlamentares e a de seus apoiadores.

A presidente do PT, Gleisi Hoffmann, defendeu ao UOL, a taxação de renda e riqueza como segunda etapa da reforma. E o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, prometeu que enviará um projeto ao Congresso para isso no segundo do semestre.

Super-ricos no Brasil pagam proporcionalmente menos impostos que os pobres (via consumo) e a classe média (via renda). Mesmo assim, sua condição privilegiada é defendida com unhas e dentes pelos terríveis Guerreiros do Capital Alheio - membros da classe trabalhadora que vão às últimas consequências para defender o privilégio dos bilionários e multimilionários.

O Brasil é um transatlântico de passageiros, com divisões de diferentes classes. Os mais endinheirados chegaram à primeira classe das mais diferentes formas. Alguns por seu próprio suor, outros herdando riquezas e oportunidades e há os que roubaram ou superexploraram o trabalho alheio.

O ideal seria que as cabines de terceira classe contassem com a garantia de um mínimo de dignidade e as de primeira classe pagassem passagem que crescesse proporcionalmente à sua renda.

Para tanto, uma reforma tributária precisa trazer de volta a taxação sobre dividendos recebidos de empresas (abolida por FHC em 1995) e reajustar a tabela do Imposto de Renda (isentando a maior parte da classe média e criando alíquotas de 30 a 40% para os que ganham muito).

O texto aprovado pelos deputados aponta que caso a nova taxação de renda gerar excedentes, eles podem ser usados para reduzir o custo da folha de pagamento e os tributos sobre o consumo. Porque é através do imposto pago na compra de produtos que os muito pobres, isentos do imposto de renda, contribuem proporcionalmente bem mais que os ricos.

Privilégio tributário dos ricos é pornográfico no Brasil

No pacote aprovado pelos deputados está a obrigatoriedade da progressividade do ITCMD, o imposto sobre heranças e doações - o que já é adotado por parte dois estados. Teve gente que celebrou a medida, mas ele continua com teto de 8%, enquanto as alíquotas sobre herança chegam a 30% na Alemanha, 40% nos Estados Unidos, 45% na França e 50% no Japão.

A desigualdade dificulta que as pessoas vejam a si mesmas e as outras pessoas como iguais e merecedoras da mesma consideração. Leva à percepção de que o poder público existe para servir aos mais abonados e controlar os mais pobres. Ou seja, para usar a polícia e a política a fim de proteger os privilégios do primeiro grupo, usando violência contra o segundo, se necessário for. Com o tempo, a desigualdade leva à descrença nas instituições. O que ajuda a explicar o momento em que vivemos hoje.

A desigualdade social, que seria motivo de vergonha em qualquer lugar civilizado, aqui é razão de orgulho. O importante para uma parte da população, tanto a que está no topo quanto a que sonha em estar lá, não é reduzir a diferença, mas garantir que ela seja devidamente glamourizada e a ascensão social, mitificada. Assim, o indivíduo passa a não desejar justiça social coletiva, mas um lugar ao sol para si mesmo.

E, com isso, defendem que os super-ricos paguem menos imposto, justificando-se com argumentos que ouviram no Telegram, como: ricos não podem ser taxados por geram empregos, são mais esforçados e são ungidos por Deus.

A média dos salários dos trabalhadores caiu 6,9%, em 2022, no Brasil, enquanto os ganhos de acionistas de empresas aumentaram 23,8% em relação ao ano anterior. Os dados são de análise da Oxfam e apontam um crescimento na desigualdade de renda em um país já severamente desigual.

De acordo com o levantamento, acionistas brasileiros receberam US$ 34 bilhões, quase o mesmo montante que trabalhadoras e trabalhadores do país tiveram em cortes em seus salários. Nos EUA, as empresas pagaram US$ 574 bilhões a seus acionistas, mais do que o dobro do corte feito sobre os salários reais. Em todo o mundo, os dividendos recebidos por acionistas foi recorde: US$ 1,56 trilhão, aumento de 10% em relação a 2021.

Melhorar renda dos pobres, taxar mais os super-ricos

O governo Lula confirmou o reajuste do salário mínimo para R$ 1.320 no Primeiro de Maio - em janeiro, ele já havia retomado o aumento acima da inflação, medida abandonada durante a gestão anterior. Também anunciou que a faixa de isenção do Imposto de renda passará para R$ 2.640. E aumentou o Bolsa Família, acrescentando R$ 150 por criança até seis anos à base de pagamento de R$ 600 por família.

Agora, faz-se necessário avançar sobre a renda de quem ganha muito para tentar reduzir a desigualdade. Exatamente por não ser fácil, parlamentares de partidos da esquerda relutaram em apoiar o fatiamento da reforma tributária. Defenderam que, uma vez aprovada a simplificação do consumo, o poder econômico daria uma banana para a renda.

Vale lembrar que o próprio então ministro Paulo Guedes, durante o governo Bolsonaro, propôs taxar dividendos. Em contrapartida, sugeriu reduzir o Imposto de Renda de Pessoas Jurídicas a fim de aumentar investimentos. Foi bombardeado.

Tributar os super-ricos pode arrecadar cerca de R$ 292 bilhões anuais. É o que defenderam a Federação Nacional do Fisco Estadual e Distrital (Fenafisco), a Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (Anfip), os Auditores Fiscais pela Democracia (AFD), o Instituto Justiça Fiscal (IJF), entre outras instituições. Eles apresentaram 11 propostas legislativas que estão em consonância com o plano de Reforma Tributária formulado por seis partidos de oposição, que também tramita no Congresso.

Apenas o Imposto sobre Grandes Fortunas arrecadaria R$ 40 bilhões nos cálculos desse grupo de entidades, maior que o orçamento do Bolsa Família. O resto viria de uma maior progressividade do Imposto de Renda de Pessoa Física (R$ 160 bilhões, incluindo a taxação progressiva de dividendos), no aumento temporário da alíquota da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido de setores econômicos com alta rentabilidade (R$ 30 bilhões), pela criação da Contribuição Social Sobre Altas Rendas (R$ 25 bilhões), entre outros.

Enquanto isso não ocorrer, seguiremos sendo um navio em que uma parte dos passageiros sorri e toma bons drinks, enquanto a outra rema.