Leonardo Sakamoto

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Opinião

Bolsonarista apoiando 'melancias' na Bolívia reforça o golpismo no Brasil

Ao celebrar a tentativa de golpe de Estado de militares na Bolívia, nesta quarta (26), o deputado federal Ricardo Salles (PL-SP) acabou por reforçar o golpismo do próprio bolsonarismo.

Ele postou, em espanhol, que "Na Bolívia, as melancias têm coragem..." no X/Twitter enquanto o ataque à sede do governo boliviano estava em curso. Bolsonaristas chamam de melancias os militares que, na opinião deles, são verdes por fora e vermelhos (comunistas) por dentro. O governo boliviano está à esquerda no espectro político. Por conseguinte, se lá eles teriam coragem, aqui eles não tiveram.

Ao não embarcar institucionalmente na conspiração bolsonarista, o que ajudou a desarmá-la, as cúpulas das Forças Armadas foram chamadas de "melancias" não só pelo bolsonarismo como por outros militares que apoiavam a virada de mesa.

O ex-comandante do Exército, o general Freire Gomes, e o ex-comandante da Aeronáutica, Batista Júnior, foram escolhidos como os principais alvos. Ambos prestaram depoimento confirmando que foi discutido um golpe em reuniões com Bolsonaro no final de 2022. O general Braga Netto, candidato a vice de Jair, chegou a chamar Gomes de "cagão" por não pular de cabeça no golpismo. E não só ele: a extrema direita atacou duramente outros membros do alto comando.

O Brasil não tem melancias, mas muita jaca podre: verde por fora e desagradável por dentro.

Entre os alvos fardados investigados por tentar transformar o Estado democrático de direito em geleia de jaca estão o general Augusto Heleno, ex-ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional, o general Braga Netto, ex-ministro-chefe da Casa Civil, o general Paulo Sérgio Nogueira, ex-ministro da Defesa, o general Estevam Cals Theophilo Gaspar Oliveira, ex-chefe do Comando de Operações Terrestres, o almirante Almir Garnier Santos, ex-comandante da Marinha, e o general Mario Fernandes, que foi o número 2 da Secretaria-Geral da Presidência.

E, claro, o próprio Jair Messias Bolsonaro, capitão reformado do Exército e que seria o principal beneficiário do golpismo.

Apesar dos esforços do atual comandante do Exército, general Tomás Ribeiro Paiva, e do naco democrata da cúpula das três forças, para que os militares tenham um comportamento republicano e constitucional, são muitas as jacas que sonharam com tentativa de golpe.

Enquanto há quem deseje que golpistas aqui não tenham medo, há também quem almeje que a América Latina tenha um comportamento duro contra os militares golpistas.

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O general golpista Juan José Zúñiga foi preso após tentar melar a democracia boliviana ontem. Por aqui, ainda esperamos.

Enquanto isso, a ditadura é revivida não apenas quando inconsequentes - que usam sua liberdade de expressão contra a liberdade de expressão alheia - vão às ruas executar um golpe, ou quando um governo tentar calar comunicadores e jornalistas. Mas também quando alguém negro pobre é torturado e morto pelas mãos do poder público ou de pessoas treinadas por ele com táticas refinadas na ditadura a fim de garantir a ordem (nas periferias das grandes cidades) e o progresso (no campo).

O plano golpista de Bolsonaro contou com generais e um rosário de oficiais. Tratar isso como um grupelho assanhado é jogar a realidade para baixo do tapete. O golpismo é entranhado nas Forças Armadas porque nunca foi devidamente dissuadido. Nesse sentido, a declaração do deputado, mais do que uma provocação, é um reavivamento.

Como já disse aqui, a despeito de militares democratas que tenham feito resistência, há uma dúvida que deveria afligir mais a jovem democracia brasileira: se a oportunidade que estivesse diante da cúpula das Forças Armadas não fosse a conspiração tosca de Jair, mas algo mais bem costurado, com suporte internacional (imagine se Donald Trump tivesse sido reeleito) e de setores importantes aqui dentro, elas entrariam de cabeça no golpe?

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL