Leonardo Sakamoto

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Opinião

Em SP, relato de morte e tortura por PMs em favela gera voto para reeleição

Um dos contrastes mais chocantes da "Operação Vingança", na Baixada Santista, é o abismo entre os relatos de parentes dos mortos e os dos policiais envolvidos, escancarado por reportagem do UOL nesta segunda (25). O registro da PM coloca agentes como heróis dignos de condecoração, enquanto familiares, moradores e testemunhas contam cenas de covardia, com tortura e execução de inocentes.

Quem diz a verdade? O problema é que muitos policiais não usavam as câmeras corporais, que poderiam resolver isso. E imagens dos que as usavam chegaram, convenientemente, com problema ao Ministério Público. O governo Tarcísio de Freitas? Parece confortável com a falta de resposta. Afinal, em São Paulo, chacina de pobre e negro gera votos nas eleições.

O repórter Luís Adorno corajosamente percorreu o Guarujá e municípios vizinhos reconstruindo as histórias de parte das 28 vítimas até agora e dos sobreviventes. E o relato que traz era de pessoas que não estavam em confronto, mas tiveram o azar de estarem no lugar errado, viver na classe social errada e ter a cor de pele errada.

Filipe do Nascimento, negro, 22 anos, morava na favela de Morrinhos 4, no Guarujá, e tinha saído de casa para comprar macarrão. Trabalhava em um quiosque na praia de Astúrias há três anos e, segundo o chefe, era um bom funcionário. O sonho dele era ser tiktoker. A PM alega legítima defesa. Os moradores indicam que ele morreu porque teria testemunhado execução policial

É triste termos que mostrar que uma pessoa tinha um emprego para tentar afastar dela a pecha de criminoso, em um país em que até a Justiça confunde desemprego com periculosidade. Mas, para muitos, isso também já não basta mais.

"Trouxeram ele até aqui, que não era a moradia dele, a moradia dele é mais para frente. Entraram com ele nesse barraco e executaram ele aí dentro. Ainda pegaram a bicicleta da esposa dele e jogaram dentro do mangue", afirmou uma testemunha ao UOL.

"Os PMs entraram em uma viela no bairro Morrinhos 4 e foram recebidos por um indivíduo que surgiu na porta com uma arma na mão. Nesse momento, um sargento efetuou dois disparos de fuzil a cerca de 2,5 m de Filipe. Um cabo que estava ao lado também efetuou disparos. No barraco em que Filipe estava, havia uma bolsa com drogas, uma pistola calibre 38 e nove tijolos de maconha", disse a PM sobre o caso.

Uma parcela das pessoas que terceirizou o seu senso crítico confia quando policiais dizem que o cano de suas armas separa quem é culpado e inocente, não sendo necessários investigação e julgamento. Ou seja, quando a PM, de São Paulo, da Bahia ou do Rio, dizem que quem morreu é culpado e quem tá vivo é inocente.

Para a Secretaria de Segurança Pública paulista é fundamental que essa narrativa cole, porque ela não vem conseguindo apresentar provas que atestem que todos os 28 mortos estavam em confronto com a polícia.

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É gravíssimo que as imagens das câmeras corporais de PMs envolvidos na Chacina do Guarujá entregues ao Ministério Público mostrem os confrontos com criminosos em apenas três dos 16 casos iniciais que terminaram em morte.

Pelo menos oito imagens de confrontos deveriam aparecer porque é o número de mortes que envolvem agentes da Rota, batalhão que conta com câmeras em todos os uniformes. Mas foram entregues vídeos de seis ocorrências, dos quais três não mostravam nada de útil.

Logo após as mortes, o secretário de Segurança Pública, Guilherme Derrite, afirmou que assim que o Poder Judiciário ou o MP-SP requisitassem o conteúdo das câmeras, ele seria integralmente fornecido. Depois, começaram a surgir desculpas de que nem tudo teria sido gravado.

Os policiais envolvidos propositadamente atrapalharam a captação de imagens de câmeras com fuzis e bandoleiras ou forjaram diálogos para que o áudio criasse falsas linhas de investigação?

A operação começou após a infame morte do soldado Patrick Bastos Reis, enquanto fazia uma ronda no Guarujá (SP). Para a solução do caso, a polícia trocou a investigação com estruturas de inteligência pela vingança indiscriminada. Fazendo com que os moradores tenham medo e ódio daqueles que afirmam estarem lá para defende-los.

O modus operandi é conhecido. Tanto que, após a morte de policiais por traficantes, comunidades ficam em pânico esperando por execuções de moradores em um número muito maior.

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Como esquecer o massacre de Maio de 2006, quando mais de 500 pessoas, a maioria de jovens, negros, pobres e moradores de periferia foram mortas no estado de São Paulo. Organizações sociais afirmam que a responsabilidade foi de policiais e grupos de extermínio ligados a eles como retaliação a ataques do PCC, que vitimaram policiais.

Isso se repete há décadas no Brasil. Por exemplo, o elemento de vingança estava presente na chacina do Complexo do Salgueiro, em São Gonçalo (RJ), em novembro de 2021, após a morte de um PM. Mas também nas de Vigário Geral [agosto de 1993, 21 mortos] e na da Candelária [julho de 1993, oito crianças e adolescentes mortos].

Ao se criticar execuções públicas de pessoas por parte de agentes do Estado não defendemos "bandido", mas sim o pacto que os membros da sociedade fizeram entre si para poderem conviver (minimamente) em harmonia. Em suma, não entregamos para o Estado o poder de usar a violência como último recurso a fim de proteger os cidadãos para que ele a use como padrão de solução de todos os conflitos.

A polícia, um dos braços armados do Estado, deve seguir as leis e não usar os mesmos métodos dos bandidos sob a pena de cometer injustiças e gerar filhotes monstruosos. Como as milícias que mantêm o poder político ou econômico em comunidades, decidindo quem morre e quem vive, tornando-se piores que outras formas de crime organizado.

Parte da população que não vive áreas ocupadas pelo tráfico ou pela milícia, cansada da violência, apoia desvios de Justiça por parte do Estado. E festeja mortes aceitando sem questionar o julgamento sumário trazido pela bala: se a pessoa morreu pelas mãos da polícia é porque era culpada de algo.

Parece um pesadelo do qual não conseguimos acordar. E parte da sociedade, pelo que pode ser visto nas redes sociais e nos aplicativos de mensagens, definitivamente não quer acordar.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL