Para o cabo eleitoral Bolsonaro, é pior ser réu por roubo do que por golpe
A Polícia Federal caminha para indiciar Bolsonaro por um pacotão de crimes - da tentativa de golpe de Estado, passando por roubo de joias do país e de grana pública via cartão corporativo, por fraudes em registros de saúde até o uso de uma orcrim para organizar tudo isso e muito mais.
Para Jair, O Inelegível, que está se preparando para tentar transferir sua popularidade nas eleições municipais de 2024 a candidatos do PL e do bolsonarismo, a imagem de réu por roubo será pior que a de golpista. Estou falando de acusação, pois é claro que o vídeo dele preso por golpe de Estado, crime que pode trancafiá-lo, é muito pior que qualquer outra coisa. Mas uma condenação levaria tempo, e a acusação sairá bem antes.
Aguirre Talento, do UOL, traz a informação sobre a reta final dos inquéritos, nesta terça (26), e aponta que a PF acredita ter provas suficientes para indiciar Jair no começo do ano. Mas que quer concluir todas as linhas de investigação em curso para isso. Daí, caberá ao novo procurador-geral da República, Paulo Gonet, aplicar a lei, apresentando denúncia ao STF em nome da coletividade - coisa que Augusto Aras esqueceu como se fazia.
Como dito acima, ser réu por tentativa de destruir o Estado democrático de direito não deve causar grandes consequências a Jair junto ao público que lhe depositou o voto em 2022 em comparação a outros crimes.
Vamos dividir seu eleitorado em dois: o bolsonarismo-raiz radical e o restante. O primeiro grupo continua com ele independente do que faça, pois vai acreditar em qualquer explicação, mesmo que bisonha. Por exemplo, se ele arrancasse em um comício a cabeça de um morcego com a boca, emulando Ozzy Osbourne, essa massa diria que ele estava fazendo isso para salvar uma criança prestes a ser mordida pelo mamífero ou que o bicho estava possuído pelo Tinhoso.
Ou seja, não importam as provas, essa parte do rebanho sempre ouvirá o seu berrante.
O segundo grupo votou em Jair, mas não empunha a bandeira do bolsonarismo. Sim, nem todo mundo que votou nele é bolsonarista, da mesma forma que nem todo mundo que votou em Lula é lulista ou petista. Há uma série de razões para votar em alguém, da ojeriza ao outro candidato, passando por simpatia por uma ideia, por esperança de vantagem em um governo ou pelo continuísmo.
Ser acusado de "ladrão de joias" é bem mais palpável do que "golpista" para uma parcela da população que votou nele, mas não é fã. Aquela parcela que acreditou na narrativa de que Jair era um homem "honesto" e estava acima da corrupção.
Tanto o esquema para desviar joias doadas pela Arábia e que pertencem ao patrimônio do Brasil e vender para pessoas ricas ou em lojinhas do tipo "Compro Ouro" nos Estados Unidos, embolsando a grana ao final, quanto o que envolveu bancar os luxos da então primeira-dama, Michelle Bolsonaro, e outros gastos irreais de alimentação usando ilegalmente o cartão corporativo da Presidência da República, quebram a imagem de retidão que ele tenta passar.
Ser pego surrupiando não precisa de muita explicação. Qualquer cristão conhece bem o "não furtarás" dos Dez Mandamentos no livro de Êxodo, capítulo 20, tanto quanto a história de adorar um bezerro feito de ouro e joias contada em Êxodo 32.
Durante as campanhas eleitorais de 2018 e de 2022, e também nos quatro anos de seu mandato, Bolsonaro se vendeu como um "homem comum" que representaria os interesses do povo mais do que os políticos profissionais. Claro que era uma construção, uma vez que ele, um político profissional, especializou-se em ficar rico dando à luz funcionários fantasmas nos gabinetes da família e ficando com parte de seu salário.
Mas esse personagem convenceu muita gente. Afinal, ele aparecia em vídeos oferecendo pão com leite condensado ao representante do governo dos Estados Unidos, deixando cair a farofa do frango sobre sua roupa, fazendo lives improvisadas com bandeiras coladas à parede com fita crepe, cometendo erros de português frequentes entre o povão para gerar empatia ao ser ridicularizado pela elite intelectual - que sempre cai em suas armadilhas.
Agora, esse personagem deve ser acusado em um esquema que envolveu almirantes, sargentos, tenentes, coronéis e até um general para importar ilegalmente joias dadas de presente ao Brasil, depois usar todo o peso do governo fim de pressionar auditores da Receita Federal a liberarem a carga, daí mandar para fora e vendê-la. Segundo a Polícia Federal e o ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes, era Jair quem determinava os rumos criminosos da operação. E quem se beneficiava dela.
Como já disse aqui mais de uma vez, para azar do ex-presidente e seu desejo de parecer um homem simples, o eleitorado tem mais facilidade de gravar na memória escândalos com produtos considerados de luxo, como diamantes e ouro. Neles reside não apenas o absurdo do desvio da coisa pública, mas a utilização desses recursos para fazer do governante uma pessoa que desfruta de luxos a que a maioria da população nem sonha em ter acesso.
Como Jair Bolsonaro, que se vendia como um "homem comum", um "homem do povo", pode surrupiar joias de luxo que pertenciam ao governo brasileiro, vender para os ricos e ficar com o dinheiro, e ainda por cima sacar dinheiro do cartão corporativo para pagar coisas da esposa ou bancar sua própria campanha? Isso é o que os adversários vão tentar lembrar à exaustão em 2024.
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Quero receberPor fim, a imagem dele sendo preso após uma possível condenação por tentativa de golpe de Estado será péssimo para os seus apadrinhados se ocorrer até o período eleitoral deste ano. Ele que chama Lula de "ex-presidiário" poderá ser chamado de "presidiário" por seus adversários. Imagina-se, por exemplo, que se isso ocorrer em São Paulo, o prefeito Ricardo Nunes vai tomar distância dele diante de um Guilherme Boulos que vai usar e abusar da imagem e da ligação entre os dois.
Para os eleitores daquele primeiro grupo, sua prisão não deve afetar nada. Pelo contrário, vão tocar uma campanha para vender a cadeia como uma grande injustiça, copiando o modelo do que petistas e lulistas fizeram durante os 580 dias em que ele permaneceu preso na carceragem da PF em Curitiba. Já no segundo grupo, deve ocorrer um estrago. E isso já afastaria eleitores de Jair.
Pode-se dizer que os inquéritos da PF podem ajudar a determinar os rumos da eleição deste ano e, portanto, os de 2026 também.
Em tempo: Claro que, para o cidadão Bolsonaro, ser réu por tentativa de golpe é bem pior do que por roubo porque isso pode levá-lo à cadeia. E ele já demonstrou que não tem a mesma estrutura psicológica que outros políticos que foram presos para suportar a cana.