Perto do general Heleno, Bolsonaro pareceu ser um golpista ponderado
Ao que tudo indica, generais bolsonaristas boquirrotos facilitaram a vida da Polícia Federal, que investiga a tentativa de golpe de Estado. Do que adianta Carluxo, maestro das comunicações digitais de Bolsonaro, trocar de celular regularmente para apagar rastros se o general Augusto Heleno mantinha um diário golpista em casa e tratava de espionagem em uma grande reunião ministerial?
A agenda com anotações de próprio punho foi encontrada pela PF durante a operação, desta quinta (8), que cumpriu mandados de um inquérito sobre a organização criminosa que tentou derrubar a democracia e manter Jair no poder. O caderno, que se conecta a outros documentos golpistas, foi revelado por Bela Megale, do jornal O Globo.
A reunião ministerial de 5 de julho de 2022 ficará para a História como a primeira do gênero em que um golpe de Estado é discutido de frente para as câmeras, reforçando a tênue fronteira entre a autoconfiança e a burrice no bolsonarismo. Nela, o referido general transformou Jair - vejam só - em um sujeito ponderado.
Metralhadora de palavrões, claro, mas uma metralhadora que demonstra receio.
Heleno contava, urbi et orbi, que pretendia infiltrar agentes da Abin (Agência Brasileira de Inteligência) nas campanhas de Lula e Bolsonaro. "O problema todo disso é se fazer qualquer coisa. Se houver qualquer acusação de infiltração desse elemento da Abin em qualquer um dos lados...", disse antes de ser interrompido por Jair, que pediu para o assunto ser tratado de forma privada.
O general parece não ter entendido o recado e passou a tratar de algo ainda mais sensível, a necessidade de dar um Hadouken na democracia antes das eleições.
"O segundo ponto é que não tem VAR nas eleições. Não vai ter segunda chamada na eleição, não vai ter revisão do VAR. Então, o que tiver que ser feito tem que ser feito antes das eleições. Se tiver que dar soco na mesa, é antes das eleições. Se tiver que virar a mesa, é antes das eleições", disse.
E foi além: "Vai chegar um ponto em que não vamos poder mais falar, vamos ter que agir. Agir contra determinadas instituições e determinadas pessoas, isso para mim é muito claro". Para a gente também, general.
Claro que estamos falando de Augusto Heleno, o mesmo que mandou literalmente um "foda-se" ao Congresso Nacional em fevereiro de 2020, sugerindo a Bolsonaro que emparedasse o parlamento. Ou que alertou ao STF, em maio de 2020, que uma tentativa de apreender o celular de Bolsonaro como parte de uma investigação teria :consequências imprevisíveis para a estabilidade nacional". Ou seja, alguém marinado na truculência.
Mas o caderninho golpista encontrado na sua residência somado ao comportamento joselito na reunião ministerial mostra que ele achava que nunca seria pego ou não se importava com isso. Psicanaliticamente, poderíamos analisar que talvez até desejasse ser flagrado com a mão na massa. Não por um masoquismo fardado, mas pelo prazer do reconhecimento da paternidade da criança.
O que guarda o material apreendido pela Polícia Federal com generais bolsonaristas alvos da operação? Que elementos eles trarão para facilitar a vida dos investigadores?
Terão sido boquirrotos os generais Braga Netto (ex-ministro chefe da Casa Civil e candidato a vice na chapa de Jair), Paulo Sérgio Nogueira (ex-ministro da Defesa), Estevam Theophilo Gaspar Oliveira (ex-chefe do Comando de Operações Terrestres), Mario Fernandes (ex-número 2 da Secretaria-Geral da Presidência) e o almirante Almir Garnier Santos (ex-comandante da Marinha)?
A diferença entre 31 de março de 1964 e 8 de janeiro de 2023 é que os conspiradores fardados passaram a produzir uma quantidade absurda de provas contra si mesmos.
Em junho de 2019, em um café da manhã com jornalistas no Palácio do Planalto, Bolsonaro disse "a única forma de se comunicar com segurança total é conversar pessoalmente". Ahã.