De doações a 'não sou homem do tempo', Leite flerta com o bolsonarismo
O governador Eduardo Leite (PSDB) mostrou que talvez não fosse a melhor pessoa para mitigar uma catástrofe climática no Rio Grande do Sul dada a quantidade de regras ambientais enfraquecidas sob sua gestão. Agora, vai mostrando que pode não ser a melhor pessoa para comandar uma resposta à tragédia devido a declarações que criam barulho desnecessário e atrapalham o trabalho de atendimento às vítimas.
A última que viralizou nas redes sociais foi a de uma entrevista ele concedeu à rádio BandNewsFM, nesta terça (14), na qual afirmou estar preocupado que o grande volume de doações ao estado reduza as vendas no comércio local.
"Pedi à nossa equipe aqui que ajude a estruturar na medida do possível ferramentas e canais para que aquelas pessoas que queiram fazer doações possam fazer essas doações também ajudando o comércio local, que está impactado. Porque, na verdade, quando você tem um volume tão grande de doações físicas chegando ao estado, há um receio sobre o impacto que isso terá no comércio local. O reerguimento desse comércio fica dificultado na medida em que você tem uma série de itens que estão vindo de outros lugares do país", afirmou.
Ele ainda disse que não queria ser entendido como alguém que estava desprezando as doações, mas foi exatamente isso que foi compreendido nas redes.
A retomada do comércio local é importante, mas em um momento em que as todas vidas estiverem protegidas, alimentadas e aquecidas, o que ainda não aconteceu. É possível fazer um paralelo com a pandemia de covid-19: a economia e os empregos importavam, mas a prioridade dos governantes sérios (o que excluiu o então presidente da República) foi a de salvar vidas
Dada a comoção com sua declaração, Leite gravou um vídeo para pedir desculpas, dizer que houve um mal-entendido e que as últimas semanas têm sido brutais e ninguém está livre de erros.
Outra confusão desnecessária envolvendo o governador foi a conta Pix para a doações que ele promove desde o início da tragédia. Só muito tempo depois, e diante de questionamentos públicos, explicou publicamente que os recursos seriam geridos por uma entidade privada, a associação dos bancos do Rio Grande do Sul. Isso provocou mais uma onda de especulações.
Tudo isso poderia ter sido evitado se, desde o começo, ele tivesse detalhado o destino dos recursos e a governança do fundo. Pois o problema não é o setor privado receber os recursos e um comitê com a participação de entidades sociais e governo decidir o destino, o problema é a falta de cuidado com a transparência.
Neste momento, o governador demonstra sua insatisfação com a escolha do ministro Paulo Pimenta como interlocutor do governo federal para a tragédia no Rio Grande do Sul. O grupo político de Eduardo Leite vê uma manobra com futuras intenções eleitorais, como informa Tales Faria, no UOL. O foco do Palácio Piratini segue sendo Brasília, com pedidos, exigências e reclamações de falta de organização para atender às necessidades do estado - algumas justas, outras não. Mas, enquanto isso, o próprio estado mostra-se despreparado até para se comunicar corretamente com a população.
Quando fez o alerta para as fortes chuvas que atingiram o Rio Grande do Sul, no final de abril, Eduardo Leite foi criticado por começar sua intervenção como "eu não sou o homem do tempo" e não apontar ações concretas a serem tomadas, no máximo pediu para todos ficarem alertas e não se colocarem em situação de risco. Isso fez com a declaração fosse comparada nas redes com "não sou coveiro", eternizada por Jair durante a tragédia da covid-19.
Ninguém está livre de errar e de falar bobagem, ainda mais sob pressão, mas em situações de grande tragédia, um governante precisa saber escolher bem as palavras, pois elas causam impactos nas ações de atendimento, no fluxo de doações, na vida das pessoas.
Até para não seguir os passos do ex-presidente Bolsonaro, que jogava entre a sinceridade violenta do improviso, o selvagem egoísmo da indiferença e a hipocrisia agressiva da politicagem, e será lembrado por suas frases insensíveis e por ter perdido 711 mil brasileiros na pandemia.