Leonardo Sakamoto

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Opinião

Por que PM jogar gente da ponte gera mais revolta que 11 tiros nas costas?

Aviso: Como falta amor no mundo, mas também falta interpretação de texto, a coluna a seguir não visa a ranquear o sofrimento humano, mas criticar a nossa empatia seletiva e nosso espírito miliciano.

O caso do policial militar Luan Alves Pereira flagrado ao arremessar de uma ponte Marcelo do Amaral, que, felizmente, sobreviveu, teve muito mais espaço no debate público que o do PM Vinicius de Lima Britto — que, à paisana, matou com 11 tiros nas costas Gabriel da Silva Soares. A diferença de tratamento dado a ambos os casos ocorridos na capital paulista não surpreende em uma sociedade em que a ideia de "bandido bom é bandido morto" tem aderência.

(Com exceção do bandido que sonega imposto. Aí, não, pois esse é visto como herói.)

Apesar de não ser todo o dia em que um policial joga uma pessoa de uma ponte sem motivo algum (não que pudesse existir motivo para isso, claro), o que naturalmente chama a atenção, isso não é motivo suficiente para gerar mais revolta que uma execução com 11 tiros por motivo pra lá de fútil.

As redes sociais foram bem transparentes ao afirmarem que Gabriel mereceu ter seu CPF cancelado porque era ladrão, o que negou a ele a empatia de muita gente, mesmo que se crime tenha sido roubar alguns pacotes de Omo. Nesse sentido, há quem veja no arremesso da ponte um risco a qualquer cidadão enquanto a execução, não, uma vez que ela estaria reservada a quem rouba.

Não há pena de morte no Brasil e ninguém estava em risco na unidade do Oxxo assaltada, mesmo assim Vinicius achou que que podia abraçar a função de promotor, juiz e carrasco e dar 11 tiros nas costas de alguém. Cheguei a encontrar mensagens que o felicitavam por um "ladrãozinho negro" a menos em uma rede social que mandou a moderação do ódio às favas.

Diante de uma polícia com baixo índice de resolução de crimes, casos como a execução de Gabriel são vistos como uma forma de vingança. Miliciana, violenta e injusta, claro.

Claro que, novamente, escolhe-se o bandido com quem sentir empatia. Pois, tentar golpe de Estado, surrupiar joias dadas ao Brasil e facilitar a morte de 700 mil durante a pandemia são crimes premiados com gritos de "mito" e promessas de voto nas eleições pelas mesmas pessoas que sapatearam no corpo de Gabriel.

A percepção é que, diante de dois casos que ocorreram fora da zona rica da capital paulista, uma parcela da sociedade ficou menos revoltada com a execução de Gabriel do que com o lançamento de Marcelo porque, silenciosamente, acredita que ele teve o que merecia. E é olhando para o que pensa parte da opinião pública que o governador Tarcísio de Freitas e o secretário de Segurança Pública Guilherme Derrite sentiram-se livres para estimular a tropa a atirar primeiro e investigar depois desde o início do ano passado.

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Sim, a culpa é de quem puxa o gatilho e de quem estimula para que isso seja feito, mas a população tem grande parcela de responsabilidade ao endossar tudo isso.

A mudança retórica do governo de São Paulo em relação à política de letalidade policial precisa vir lastreada de medidas concretas, como o fim das incursões violentas em bairros pobres — que geram centenas de mortes cotidianamente. Os policiais envolvidos nos dois casos foram presos, mas esse não é o padrão de agente de segurança que mata a esmo na periferia.

A justificativa dada que vem sendo dada é que, se morreu, tinha culpa. Mas que culpa tinha Ryan, de quatro anos, que morreu com as tripas de fora em uma comunidade pobre de Santos (SP) após tomar um tiro de fuzil?

Algo me diz que o naco da população que aplaude em público toda vez que um preto pobre se transformar em culpado pelas balas de um policial mal treinado, mal remunerado, mal instruído ou mal-intencionado muito em breve vai voltar a crescer após a atual comoção midiática.

Passou da hora de São Paulo se olhar no espelho sem medo do que vai encarar.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL