Jesus nasce na periferia, mas é jogado da ponte em nome dos 'homens de bem'
Se Jesus voltasse defendendo a mesma ideia central presente nas escrituras sagradas do cristianismo (e que, por ser tão simples, não é seguida como deveria) e andando ao lado dos mesmos párias com os quais andou, seria humilhado, xingado, surrado, alfinetado e explodido. Ele seria chamado de mendigo e de sem-teto vagabundo, olhada como operário subversivo, alcunhado como agressor da família e dos bons costumes, violentado e estuprado, rechaçado na propaganda eleitoral obrigatória em rádio e TV, difamado nas redes sociais, censurado pela Justiça. Teria seu barraco queimado e toda sua vida transformada em cinzas em uma reintegração de posse ao som das palmas dos ricos. Seria finalizado como comunista, linchado num poste pela população em nome da fé e das tradições, escravizado em uma fazenda, jogado da ponte por policiais. Receberia socos e pontapés dos hoje autointitulados sacerdotes do Templo, supostos representantes dos interesses de Deus na Terra que afirmam lutar pelo direito de expressarem suas crenças, quando querem anular tudo o que pode ameaçar seu controle sobre o povo. E, ao final, alguém ainda tiraria uma selfie ao lado de seu corpo morto para postar no Instagram. Ou faria uma dancinha sobre o cadáver para o TikTok.
Como já disse aqui um rosário de vezes, se Jesus voltasse à Terra, nós o mataríamos em seu próprio nome. Pelo menos, 50 vezes. Ainda mais porque voltaria pobre, negra, mulher, trans. Considerando que Jesus foi transgressor em sua época, hoje seria tudo aquilo que é considerado inferior, marginal, blasfêmico ou de segunda classe.
Ou você acha que viria coberto de ouro e moraria nos Jardins ou na Barra da Tijuca?
Se houver um Deus, ele ou ela não morrerá de vergonha por causa daqueles que tocam a vida da forma que os faz mais felizes. Mas por conta dos que lançam preces e cantam musiquinhas louvando seu nome - para, logo depois, censurar, ofender, cuspir, bater, esfolar, arremessar e matar também em sua honra. Nessa hora, deve experimentar um sentimento louco de culpa somado à vergonha alheia.
Como disse aqui ontem, não sou um homem de fé, apesar de ter crescido em um lar católico e estudado em escola adventista. Por isso, sempre penso que seria tão bom se as pessoas entendessem o que está escrito no Evangelho de João, capítulo 3, versículo 17: "Deus enviou o seu filho ao mundo não para condenar o mundo, mas para que o mundo fosse salvo por meio dele". Diante da ausência de entendimento, o Todo-Poderoso deve pensar que falta amor no mundo, mas também interpretação de texto.
Se interpretássemos por uma forma mais humana o que significa amar o seu semelhante como a si mesmo, dar a César o que é de César e a Deus o que é de Deus, e todo o restante, entenderíamos que o ódio ao outro por sua natureza não faz sentido algum.
Aplaudir a execução de um homem desarmado com 11 tiros nas costas por ter roubado dois pacotes de sabão líquido é cuspir no mesmo texto bíblico que fala sobre o erro de atirar a primeira pedra. Mas o que importa para muita gente, do Natal à Páscoa, são as aparências.
Para eles, Jesus é só um pingente de ouro ou um bom negócio.
Em tempo: Aqui me lembro de uma citação atribuída ao já falecido Hélder Câmara, arcebispo de Olinda e Recife, que lutou contra a ditadura e esteve sempre ao lado dos mais pobres: "Se falo dos famintos, todos me chamam de cristão, mas se falo das causas da fome, me chamam de comunista".