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Marco Antonio Villa

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Cabul é aqui

Membros do Taleban circulam de moto em ruas de Cabul, no Afeganistão - Zakeria Hashimi/AFP
Membros do Taleban circulam de moto em ruas de Cabul, no Afeganistão Imagem: Zakeria Hashimi/AFP

Colunista do UOL

19/08/2021 09h32

Com Jair Bolsonaro na Presidência da República caminhamos para um processo eleitoral que será marcado pela violência. Teremos um cenário de enorme turbulência, intimidação, ameaças, choques nas ruas, sem excluir a nefasta possibilidade de mortes em razão de ações de provocação para alimentar um clima de caos favorecendo um golpe militar.

Jair Bolsonaro conta com isso. Mais ainda, necessita deste cenário para ter o pretexto de uma retirada - dentro da psicopatia que o caracteriza - gloriosa, mas deixando um país à beira da guerra civil. Está trabalhando diuturnamente para ensanguentar as eleições de 2022.

O que ele não quer, em hipótese alguma, é um ambiente que possibilite um debate no campo das ideias, pois isto está fora das suas possibilidades. Ele é representante da barbárie e não consegue conviver com um processo eleitoral civilizado. Quer rebaixar as eleições à sua altura custe o que custar. E até agora tem conseguido. Basta acompanhar a baixa qualificação do que, com exagero, pode ser denominado de debate político-eleitoral sobre os rumos do Brasil.

A estratégia bolsonarista conta com o beneplácito de uma oposição invertebrada. Evidentemente deve ser lembrado que o correto é o uso do plural: oposições.

É natural que cada uma delas tenha a sua estratégia eleitoral. Isto é do jogo político. Mas o que chama a atenção é a baixa combatividade. Quem determina o ritmo do jogo é sempre Bolsonaro, aquele que não respeita regras e que deseja sempre vencer, independente da forma. Tem obtido êxito não por ser um estrategista, mas devido à ausência de oposições que compreendam o momento histórico e ajam não só de forma reativa. Não conseguem assumir o controle e ter a iniciativa das ações. Uns porque imaginam que é mais fácil ter Bolsonaro como opositor em outubro de 2022 - sem analisar o custo para o Brasil desta irresponsabilidade -, outros porque tem enorme dificuldade em avocar o protagonismo político, pela falta de combatividade, de disposição para o enfrentamento que exigiria uma ampla mobilização, inclusive das ruas.

É chover no molhado dizer que faltam lideranças políticas. A escassez de homens públicos faz "pendant" com a pobreza das ideias. O país vive a crise mais grave do período republicano, contudo o que menos se ouve são propostas de como sair desta complexa conjuntura, o que propor, como articular um projeto nacional.

Fala-se vagamente em mudanças, reformas, como em um discurso decorado, vazio, sem cor. Não há intelectuais orgânicos, debates públicos, polêmicas. Vez ou outra há uma resposta a mais uma barbaridade dita por Bolsonaro, mas a indignação se esvai no dia seguinte. As universidades - um dos focos da ação destrutiva governamental - reagem timidamente. Divulgam um manifesto, demonstram insatisfação no grupo de Whatsapp do departamento, postam um texto em alguma rede social - para depois relaxar e assistir uma série da Netflix, afinal ninguém é de ferro. E o tempo passa, como diria o filósofo pré-socrático brasileiro Fiori Gigliotti.

Jair Bolsonaro encontra, portanto, um terreno livre pela frente. Vai continuar solapando as bases do Estado democrático de Direito. No novo normal da política brasileira golpe de Estado se transformou em alternativa eleitoral. Virou papo de botequim onde bolsonaristas pontificam demonstrando seu inesgotável arsenal de sandices. Mas nestes tempos sombrios logo teremos de nos acostumar.

Não vai causar estranheza se os componentes da bancada da Beócia - os defensores do genocídio na CPI da Pandemia - forem alçados a gênios da raça. Se os senadores Alberto Roberto, de Rondônia, bolsa-estupro, do Ceará, ou o Visconde de Taunay da decadência - o representante de Santa Catarina, que fala com proficiência um dialeto aparentado à língua de Camões -, forem convidados como paraninfos de universitários. E irão, com o ressentimento típico do extremismo bolsonarista, proferir as modernas Orações aos Moços. Afinal, cada época tem o Ruy Barbosa que merece.

Chegamos ao ponto de um cantor caipira no ocaso da carreira - muito acreditavam que não estava mais entre nós - liderar a tomada de Brasília pelos nazifascistas bolsonaristas. É a "nossa" Marcha sobre Roma. Meio chanchada, claro. Falta um Grande Otelo e um Oscarito. Um dos participantes da conjura dos agrotrogloditas disse que o vate tinha, segundo ele, "tomado umas pingas a mais." E nós reagimos como? Chamando o Chapolin Colorado?

Gregório de Mattos Guerra estava errado, redondamente errado. Não é triste Bahia. É triste Brasil. Como chegamos até aqui? Como é possível ter um Presidente da República parceiro do Escritório do Crime - em tempo: como uma associação criminosa se autodenomina "escritório"? O que aconteceu conosco? Que Brasil teremos em outubro de 2022? Vamos aguardar o banho de sangue? Ou será mais civilizado comprar uma passagem para Cabul?