"Broxada" de Daniel no BBB mostra machismo estrutural de Marcela
Precisamos falar sobre a suposta broxada que aconteceu essa noite no Big Brother Brasil.
Psicológica e fisicamente, o fato do jovem Daniel não ter (aparentemente) conseguido uma ereção no meio de um reality show é mais que compreensível. Este é um daqueles casos em que o homem não estará mentindo se disser: "Isso nunca me aconteceu antes". Estatisticamente, não são muitos os caras que têm a chance de broxar ao vivo num streaming de vídeo no reality mais assistido do País.
O episódio ganha mais relevância porque acontece num BBB marcadamente didático em relação aos perigos da masculinidade tóxica e à importância do empoderamento feminino.
Marcela, uma das duas médicas no BBB 20 e parceira sexual de Daniel (no momento que vai marcar a vida do rapaz e virar piada por muitos anos vindouros), começou o programa como uma unanimidade entre os progressistas, com tiradas divertidas mas didáticas como: "Autoestima de homem tinha que encapsular e vender".
Sororidade
Marcela não estava só nessa luta mais do que válida contra o machismo. Também de um jeito leve, meio debochado, bem ao gosto dos usuários de redes sociais, outras mulheres da casa, como a advogada Gizelly e a artista multimídia Manu Gavassi, deram verdadeiras aulas de feminismo aos brucutus da casa. E consequentemente, aos que estavam do outro lado da telinha.
Em pleno paredão de terça-feira, Manu fez o Brasil procurar no Google o significado da palavra "sororidade". Dias depois, trancafiada no quarto Branco com Gizelly e um dos últimos machões sobreviventes no jogo, Felipe Prior, as meninas transformaram o que seria um castigo monótono num curso de imersão sobre como se comportar com as mulheres.
Quando Felipe contou, com certo orgulho, que já viveu a situação de não insistir e respeitar um "Não!" recebido de uma parceira já na cama, as garotas se apressaram em dizer que - é óbvio - ele não fez mais que sua obrigação.
"Não" é "não". E isso não se discute.
No meu Twitter
Conversávamos sobre isso no Twitter quando eu, com a legítima intenção de ampliar o debate, postei o seguinte comentário:
Eu entendo. E corro o risco de ser cancelado só por dizer isso. Mas nosso lado também não é fácil. Na mesma situação (polos invertidos) a menina diria pra todo mundo: "Mó brocha!". Fora a expressão dela, na hora, te olhando com desprezo, tipo: "Como assim? Eu, linda de lingerie?".
Não fui feliz e admiti na hora. O comentário faz todo o sentido, mas enfiado numa conversa sobre mulheres dizendo "não" no momento do ato pode sugerir uma falsa equivalência que não tinha sido minha intenção. Afinal, se o homem insiste naquele momento, o resultado é a violação, incomparavelmente mais traumática do que o vexame.
Machismo
Houve até quem lembrasse que broxar só é vexame sob uma ótica machista, o que não deixa de fazer sentido. Vinícius de Moraes já tentava nos tranquilizar com seu mantra: "Enquanto houver língua e dedo nenhuma mulher nos mete medo".
Analisada hoje, salta aos olhos na frase a palavra "medo" e o fato de que o ato de coragem não resolve um problema sério: o prazer masculino.
Pedidas as devidas desculpas e feitos os devidos esclarecimentos, consegui sair dessa sem ser cancelado. Mesmo porque não seria justo: eu realmente acho que a fama de broxa não se compara ao trauma de um estupro.
É grave
O que não quer dizer, entretanto, que o assunto não seja muito grave na sociedade brasileira do século XXI. Se é fato que o machismo no Brasil mata e fere, isso não quer dizer que as mulheres não tenham algumas coisas a aprender sobre como lidar com as fragilidades masculinas construídas ao longo de séculos, por essa mesma cultura machista.
O BBB 20 tem sido ótimo para quem - como eu - vê nele um retrato vivo do Brasil do seu tempo, a cada edição. Marcela, a que dava aulas de empoderamento feminino, foi se apaixonar logo pelo homem mais infantilizado da casa. Daniel é incapaz de cumprir as regras mais básicas da boa convivência, vive sendo punido pela produção por desrespeitar as normas do jogo e está longe de demonstrar brilhantismo quando as conversas se tornam mais profundas.
Lado sombrio
Daniel revelou um lado sombrio de Marcela, que começou o jogo como favorita: como namorada dele, a jovem médica mostrou que sua sororidade e sua crítica à masculinidade tóxica são seletivas. Desde o início do relacionamento ela já perdeu mais de 200 mil seguidores no Instagram.
Marcela se revelou a típica lacradora de Internet que não vive o que prega. E está roubando do macho tóxico Felipe Prior o papel de vilã da casa.
O diálogo entre ela e Daniel, durante o suposto ato sexual frustrado, resume a transformação:
- Não vou conseguir - murmura Daniel.
- P(*) que pariu! - responde Marcela, com irritação transparente e nenhuma solidariedade diante do drama do rapaz.
Sim, drama.
Sem falsa equivalência. "Daniel Broxando" é o assunto mais comentado do momento no Twitter no momento em que eu escrevo este texto. De forma alguma o episódio se compara com a monstruosidade de uma violação, mas ele vai ter que lidar com o constrangimento por muito tempo.
Machismo estrutural
Em muito menor escala que as mulheres, homens também sofrem os efeitos do machismo estrutural: carregamos a pressão de sermos provedores, infalíveis na cama e bravos defensores de nossas mulheres e crianças diante de um barulho estranho na madrugada ou uma barata no banheiro.
Se o que aconteceu sob o edredom foi o que pareceu ter acontecido, alguém já deveria ter ensinado à doutora Marcela que um irritadíssimo "P(*) que pariu!" é uma resposta muito cruel diante de uma broxada. O momento exigia carinho, beijos e solidariedade.
A mesma compreensão e acolhimento que qualquer pessoa, de qualquer gênero, merece quando na cama simplesmente não rola.
Não quero ser o chato que mata a piada: se um participante antipático broxa no BBB o público tem todo o direito do zoar. Linchamento virtual é cada vez mais parte deste jogo ao qual os participantes se submetem em troca de fama e da chance de ganhar R$ 1,5 milhão.
Mas não a companheira dele.
Se realmente Daniel, broxou, faria bem uma boa imersão no quarto branco para a Marcela, se na casa tivesse alguém apto a ensinar que é possível ser empoderada sem perder a ternura.
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