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Observatório das Eleições

Em eleição de maioria negra, partidos investem mais nos homens brancos

12.jul.2017 - Foto de discussão na Câmara dos Deputados, em que se vê maioria de homens brancos, e poucas mulheres ou negros - Luis Macedo/Câmara dos Deputados
12.jul.2017 - Foto de discussão na Câmara dos Deputados, em que se vê maioria de homens brancos, e poucas mulheres ou negros Imagem: Luis Macedo/Câmara dos Deputados

21/10/2020 15h08

Luiza Jardim e Rachel Callai Bragatto*

A 25 dias do primeiro turno das eleições, cerca de 450 milhões de reais já foram repassados a candidatas e candidatos de todo o Brasil. O valor refere-se à soma do Fundo Especial de Financiamento de Campanhas (FEFC) e do Fundo Partidário. Desse montante, 62,9% foram destinados para brancos, sendo que apenas 47,9% do total de candidatos declararam-se brancos.

Em 2020, pela primeira vez nas eleições brasileiras, o número de candidatos autodeclarados negros é maior que o de brancos, correspondendo a 49,9% do total. Porém, a soma dos recursos repassados aos candidatos pretos e pardos é 35,7%, ainda distante de ser proporcional.

Mesmo que neste ano tenhamos decisão inédita do Supremo Tribunal Federal (STF) que pede correspondência exata entre a proporção de candidatos por raça e a distribuição dos recursos, até o momento isso não se confirmou.

Cabe, no entanto, observar que resta pouco mais de 20 dias para os partidos organizarem-se e distribuírem a verba conforme indicado pelo STF. Os dados aqui utilizados foram retirados no dia 20 de outubro da Plataforma Observatório 72 horas, um site para monitoramento do Fundo Eleitoral e Partidário que utiliza dados fornecidos pelo TSE.

Apesar das cotas, mulheres seguem prejudicadas na distribuição dos recursos

As mulheres, somando todas as cores ou raças, receberam até agora 26,1% dos recursos - valor inferior a Resolução do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) que exige uma reserva de 30% do Fundo Eleitoral para campanhas de mulheres.

Homens brancos disparam com 47,7% dos recursos. Abaixo estão os homens pardos, com 21,2%, e os homens pretos, com 3,9%. Já entre as mulheres, brancas recebem 15,2% do total de recursos, enquanto pardas recebem 7,0% e pretas recebem 3,6%.

Em todas as cores ou raças os candidatos do gênero masculino recebem mais do que as candidatas do gênero feminino. A menor desigualdade de gênero na distribuição de recursos está entre os pretos, em que mulheres recebem 48,1% do total, e homens 51,9%. No caso de candidatos autodeclarados brancos, pardos ou indígenas, as mulheres recebem apenas em torno de um quarto dos recursos, enquanto o restante vai para os homens.

Indígenas e amarelos recebem um valor abaixo de 1,0% do total de recursos. Dentro desse grupo, o maior repasse está para os homens amarelos (R$ 1.030.850), em seguida para mulheres amarelas (R$ 552.381), depois para homens indígenas (R$ 366.296) e por fim para mulheres indígenas (R$ 131.906).

Como os partidos com mais recurso, PSL e o PT, estão distribuindo seus repasses?

Os dois partidos que recebem mais recursos do FEFC e do Fundo Partidário em 2020 são o Partido dos Trabalhadores (PT) e o Partido Social Liberal (PSL). O PT recebe do FEFC pouco mais de 201 milhões de reais e 65,3 milhões do Fundo Partidário. Já o PSL recebe aproximadamente 199 milhões do FEFC e 73,7 milhões do Fundo Partidário.

O PT, até o momento, repassou 36,3 milhões de reais, sendo 66,9% em candidaturas de brancos. Em relação a distribuição de gênero, 33,7% da verba está com candidaturas de mulheres - cumprindo, portanto, com a reserva de 30%. Cabe destacar que 18,5% dos recursos estão com candidaturas de mulheres brancas, 12,2% de mulheres pretas e 2,9% de mulheres pardas.

A campanha do PT com mais recursos é a de Jilmar Tatto, candidato a prefeito de São Paulo, com quase 4,5 milhões de reais. As campanhas de Benedita da Silva, candidata a prefeita do Rio de Janeiro, e de Major Denice, candidata a prefeita de Salvador, ambas do gênero feminino e autodeclaradas pretas, receberam, respectivamente, 5,4% e 2,5% do total dos recursos.

A campanha de Jilmar Tatto, sozinha, ultrapassa o valor repassado às candidatas do Rio e Salvador somadas a todas as candidaturas de mulheres pretas do PT. Representante da máquina partidária e com baixíssima intenção de voto, a candidatura de Tatto é símbolo da crítica feita ao partido mesmo internamente. Em um artigo de Leonardo Avritzer neste Observatório, analisamos a dificuldade que a candidatura de Tatto tem nesta eleição.

O PSL já repassou 41,3 milhões de reais, sendo 56% destes recursos a homens brancos. O total destinado a brancos é de 69,4%, e a mulheres é de 27,6%, não cumprindo as regras de distribuição das verbas até o momento. Mulheres pretas receberam 2,4 milhões de reais, o que representa 5,8% dos recursos repassados, mas quase a totalidade (2,3 milhões de reais) foi para uma única pessoa, Vanda Monteiro, candidata a Prefeitura de Palmas.

Concentração de recursos dos fundos eleitoral e partidário

A campanha com mais recursos dos fundos, por enquanto, é a de João Campos (PSB), candidato a prefeito de Recife, com 7,5 milhões de reais. Bruno Covas (PSDB), candidato a prefeito de São Paulo, vem em segundo lugar no índice de concentração de recursos dos fundos, com 7 milhões de reais. Em terceiro lugar, está a campanha de Alfredo Nascimento, candidato do PL a Prefeitura de Manaus, com 6 milhões de reais, e então Jilmar Tatto (PT), com pouco menos de 4,5 milhões. Isso significa que 6% do total foi repassado até agora foi para estes quatro candidatos, que correspondem a 0,02% do total de candidatos a prefeito em todo o país.

Dentre as candidaturas do gênero feminino, a Delegada Martha Rocha, candidata do PDT à Prefeitura do Rio de Janeiro, é a que teve mais recursos, com 4 milhões de reais. Já dentre as candidaturas a vereador, a candidatura de Milton Leite (DEM), de São Paulo, é a que recebeu mais recursos até agora, totalizando 2,2 milhões de reais.

O que fazer se o dinheiro chega na última semana?

Os recursos repassados às campanhas são utilizados, principalmente, para divulgação das candidaturas. Ou seja, são essenciais para que a pessoa possa ser conhecida pela população, e assim ser escolhida entre uma miríade de candidaturas. Estes recursos podem ser utilizados para gastos com equipe, materiais gráficos, campanhas digitais, dentre outras coisas.

Em 2020, além do Fundo Partidário e FEFC, as candidatas e candidatos podem financiar suas campanhas com recursos próprios, doações de correligionários, realização de eventos ou venda de bens.

Ainda que não sejam a única fonte de recursos para uma campanha, os repasses dos partidos e do FEFC correspondem a um apoio importante, sobretudo para quem não tem recursos próprios. Candidatos mais pobres têm maior dependência desses recursos para construírem suas candidaturas. Cabe aos fundos, em grande medida, equalizar a disputa, garantindo condições mínimas de competitividade para todas e todos que desejam ser representantes da população

Há alguns que contam com algum repasse futuro e estão conseguindo se movimentar. Outros, no entanto, não conseguem agir enquanto não recebem recursos públicos. Se os partidos, que agora por decisão judicial devem distribuir proporcionalmente os recursos por gênero e raça ou cor, não o fizerem desde o princípio, algumas campanhas vão ter mais dificuldade de se estruturar para a reta final. E então, para completar, estaremos diante de um desperdício de recurso público.

Explorando as brechas nas regras e fugindo da representatividade

As decisões recentes mencionadas acima, que se referem a reserva de 30% dos recursos para candidaturas de mulheres e a sua distribuição entre negros e brancos de forma proporcional a quantidade de candidatos de cada raça, visam ter mais diversidade e representatividade na política. No entanto, elas têm sido frequentemente dribladas pelos partidos.

As decisões não especificam se a distribuição dos recursos é apenas para cargos proporcionais ou também para majoritários. Um subterfúgio usado pelos partidos tem sido apresentar mulheres e negros como candidatos a vice. Campanhas majoritárias custam geralmente mais caro do que campanhas proporcionais e investindo em uma candidatura majoritária que tem uma vice mulher e/ou negra, partidos conseguem alcançar as metas sem necessariamente alterar a distribuição dos recursos internamente.

Um artigo do UOL mostrou que em 2020, 41,7% dos candidatos a vice das principais cidades são mulheres, número que era de 27,8% em 2016.

Questões como as cotas e a proporcionalidade na distribuição dos recursos geram resistência de parte da população, que se posiciona contra políticas afirmativas. Por isso, precisam ser acertadas e não permitir, seja por despreparo ou intenção, interpretações dúbias ou deturpações. Do contrário, tornam-se medidas ao mesmo tempo impopulares e inefetivas.

Com os resultados das eleições, será possível analisar os recursos repassados e quem se elegeu ou não. Mas, por hora, a distribuição dos recursos já repassados e o alto investimento em vices mulheres parecem indicar que os partidos deram o seu jeitinho de contribuir para mais uma eleição de maioria branca e masculina, sem descumprir as regras do jogo.

Nota: todas as informações sobre os repasses foram retiradas da plataforma Observatório 72 Horas, que organiza as informações a partir dos dados do TSE, no dia 20 de outubro de 2020, às 18h. A plataforma está com a última atualização feita às 10h10min de 19 de outubro de 2020.
A plataforma faz a distinção apenas dos gêneros masculino e feminino, portanto, para fins de simplificação, neste artigo colocamos mulher como sinônimo de gênero feminino e homem como sinônimo de gênero masculino.

* Luiza Jardim é graduada em Administração Pública com minor em Relações Internacionais pela Fundação Getulio Vargas (FGV-EAESP) e mestranda em Ciência Política na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Pesquisa participação social, democracia digital e política, é educadora política e integra o INCT/IDDC.
Rachel Callai Bragatto é jornalista, mestre e doutora em Sociologia pela UFPR. Foi visiting researcher na University of California - Los Angeles. Pesquisadora em estágio pós-doutoral no INCT/IDDC. Interessada em temas como democracia digital, participação política e cibercultura. Faz parte dos coletivos Intervozes e Soylocoporti.

Esse texto foi elaborado no âmbito do projeto Observatório das Eleições de 2020, que conta com a participação de grupos de pesquisa de várias universidades brasileiras e busca contribuir com o debate público por meio de análises e divulgação de dados. Para mais informações, ver: www.observatoriodaseleicoes.com.br