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Observatório das Eleições

Judicialização da competição eleitoral: a questão do dinheiro

Prédio do TSE, Tribunal Superior Eleitoral  - Sergio Lima/Folhapress
Prédio do TSE, Tribunal Superior Eleitoral Imagem: Sergio Lima/Folhapress

04/11/2020 04h00

Rodrigo Horochovski, Wagner Mancuso, Vanessa de Oliveira e Bruno Speck*

Como a relação entre dinheiro e política chega aos tribunais no Brasil, ou seja, como a política eleitoral é judicializada? Esse é o tema aqui discutido e, para isso, analisamos alguns dados das eleições municipais de 2016, sobretudo informações disponibilizadas pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Antes, porém, de apresentar esses dados, é preciso entender o contexto no qual eles são produzidos.

De um lado, o Brasil é um dos poucos países em que a administração das eleições está totalmente a cargo do poder judiciário. Na maior parte do mundo, a tarefa cabe a órgãos administrativos, comumente ligados ao poder executivo de governos subnacionais, cabendo à justiça, em geral comum, somente a função jurisdicional. No caso brasileiro, as atribuições da Justiça Eleitoral vão muito além, incluindo atividades executivas e normativas.

De outro, em um cenário em que a relação ilícita entre dinheiro e política é frequente, é razoável levantar a hipótese de que se tem, no país, um forte incentivo à judicialização da política, já que ações judiciais podem ser usadas como instrumentos contra os opositores ou para questionar os resultados eleitorais, sobretudo em contextos de disputas acirradas. A comprovação definitiva desta hipótese é complexa e foge ao nosso escopo. Queremos, no entanto, oferecer alguns elementos para o debate.

Ao longo das últimas eleições nacionais, estaduais e municipais, dezenas de milhares de ações judiciais motivadas pela relação entre dinheiro e política foram ajuizadas nas diversas instâncias da Justiça Eleitoral de todo o país. Os atores que processam e/ou podem ser processados são os mais diversos: agentes políticos e servidores públicos, candidatos, coligações, partidos, doadores de campanha, entre outros. O ator que mais processa é o Ministério Público Eleitoral, órgão autorizado a atuar em todas as fases do processo eleitoral, com vistas a garantir a lisura do pleito.

Em face do limite de espaço, trazemos, para este artigo, dados relativos aos candidatos a prefeito nas eleições de 2016. Tratamos especificamente de três assuntos mais ligados à relação entre dinheiro e política: abuso de poder econômico; captação ou gasto ilícito de recursos financeiros de campanha eleitoral; e corrupção ou fraude. Além disso, dentre as numerosas classes processuais que existem, focalizamos especialmente duas: a Ação de Investigação Judicial Eleitoral (AIJE) e a Representação (Rp), classes cujo prazo para interposição é próximo à realização da eleição.

Naquele ano, de todos os 16.562 candidatos a prefeito, nada menos do que 1.472 foram processados por questões ligadas à relação entre dinheiro e política (8,9% do total), ou seja, constavam da parte passiva das ações. Além disso, 324 candidatos (2,0%) iniciaram processo dessa temática contra adversários, compondo a parte ativa. Em nosso mergulho nos processos, encontramos alguns resultados interessantes:

- Candidatos à reeleição têm 83% mais chances de ser processados que os demais.

- Vencer a eleição aumenta em 85% as chances de um candidato ser processado. Em compensação, os eleitos têm apenas 14% das chances de um candidato derrotado de iniciar um processo.

- Cada ponto percentual de votação no primeiro turno aumenta, em média, em 1,4% a chance de um candidato ser processado e em 3,5% a chance média de processar um competidor.

- A cada 100 mil reais de receitas de campanha, a probabilidade de um candidato receber um processo aumenta em 5% e de iniciar um processo, em 3,2%.

- Candidatos de direita são mais processados que os de esquerda, sendo que estes, em média, têm 76% da chance daqueles de figurar no polo passivo de processos por dinheiro e política.

Nossos resultados mostram que são os candidatos mais competitivos que figuram nas ações judiciais analisadas, seja como parte ativa, seja como parte passiva. Sem desconsiderar que o uso ilegal de recursos é um problema sério no Brasil, que deve ser fiscalizado e punido, os dados indicam que a judicialização da competição eleitoral pode estar sendo usada como ferramenta estratégica dos agentes políticos, diante das oportunidades oferecidas pelas características de nossa Justiça Eleitoral, para o questionamento do resultado eleitoral.

Enfim, os dados preliminares aqui apresentados, que são parte de um projeto de pesquisa mais amplo, denominado Crime Corporativo e Corrupção Sistêmica no Brasil, financiado pela FAPESP, são apenas fragmentos das relações entre dinheiro e política em suas múltiplas facetas. A judicialização da competição eleitoral é apenas uma delas, mas seu volume e os dados aqui apresentados demonstram que se trata de questão relevante para a democracia brasileira.

* Este texto foi escrito pelos autores Rodrigo Rossi Horochovski (UFPR), Wagner Pralon Mancuso (USP), Vanessa Elias de Oliveira (UFABC) e Bruno Wilhelm Speck (USP)

Esse texto foi elaborado no âmbito do projeto Observatório das Eleições de 2020, que conta com a participação de grupos de pesquisa de várias universidades brasileiras e busca contribuir com o debate público por meio de análises e divulgação de dados. Para mais informações, ver: www.observatoriodaseleicoes.com.br