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Observatório das Eleições

Candidatas e a corrida com obstáculos em tempos de pandemia

Fachada da Câmara Municipal de Curitiba - Vinicius Boreki/UOL
Fachada da Câmara Municipal de Curitiba Imagem: Vinicius Boreki/UOL

14/11/2020 04h00

Malu A. C. Gatto e Débora Thomé*

Todo ano de eleição registra alguma especificidade que determina diferentes impactos nas campanhas eleitorais e nas chances de que candidatos ou candidatas consigam a vaga que estão disputando. Normalmente, essas contingências estão ligadas a crises ou bonanças políticas ou econômicas. O ano de 2020, entretanto, apresentou um novo cenário, de crise sanitária aguda, a qual será o palco para as eleições municipais que se realizarão em 5.570 cidades brasileiras.

Com as questões relacionadas à pandemia, começou-se a levantar a hipótese de que este contexto prejudicaria a presença e as chances de mulheres candidatas, isso porque a dupla jornada - aumentada por conta das políticas de isolamento - reduziria ainda mais os horários já escassos das mulheres. Apesar disso, até agora o que se registrou nesta eleição foi um aumento do percentual de mulheres candidatas, as quais alcançaram 33%, a melhor marca das candidaturas em um país com péssimos índices de mulheres representantes.

A vereança é geralmente a porta de entrada dos novos nomes na política. É o caminho por onde passam as mulheres que, a médio prazo, poderão ocupar outras cadeiras mais altas, seja no Legislativo ou no Executivo. Com essas questões em mente e a possibilidade de trabalhar com filiadas de um partido do Paraná, desenvolvemos uma pesquisa para tentar entender o que estava se passando na pré-candidatura no contexto da Covid-19.

Analisando as respostas que recebemos, identificamos que, mesmo diante de todo o caos e incerteza, as mulheres foram contundentes: o que viam como maior ameaça às suas chances de eleição era a falta de apoio do partido.

O resultado - significativo, diferentemente de questões como o abalo econômico pela pandemia ou o aumento da dupla jornada - reforça algo que já vínhamos observando em outros trabalhos: os partidos, que deveriam ser o espaço privilegiado para impulsionar as candidaturas, acabam sendo vistos pelas mulheres como limitadores das suas capacidades. E isso ocorre em um contexto em que as regras eleitorais são, a princípio, mais favoráveis que em eleições anteriores.

A reserva de 30% do financiamento dos partidos para as candidaturas das mulheres, aprovada em 2018, poderia as conduzir para um novo patamar de viabilidade eleitoral. O que identificamos, mais uma vez, é que há um sistema de instituições informais que privilegia os homens, principalmente aqueles que já estão no poder, deixando a maioria das mulheres a mercê de gostos e desgostos de "donos do partido".

A pesquisa entre pré-candidatos da seção paranaense do Partido Republicano da Ordem Social (PROS) - o partido brasileiro considerado mais ao centro no espectro ideológico - foi realizada ao longo do mês de junho com 139 participantes, contando com o incentivo das lideranças locais para aumentar a taxa de respostas em um tempo tão curto.

Pelo questionário, as mulheres deixaram claro que o que mais temiam era a perda de acesso aos recursos e apoios para campanha no contexto da pandemia. Mesmo com esforços do partido em promover cursos e incentivar as candidaturas femininas (no mínimo, 5% dos recursos do Fundo Partidário devem ser destinados à formação de mulheres), elas ainda se mostraram menos confiantes em relação a esse suporte.

Para além disso, notamos também que as mulheres pré-candidatas apresentavam uma resiliência que fazia com que, mesmo em um contexto pandêmico, sabidamente mais prejudicial às mulheres - dado o trabalho dobrado, abalo emocional e físico, riscos de perda de emprego e de renda por conta da pandemia -, elas mantivessem seus esforços na preparação para concorrer às eleições

Nossos achados, que foram publicados pela "Politics & Gender", revista sobre mulheres e política da Associação Americana de Ciência Política, estão bastante alinhados com outras pesquisas que mostram que a ausência de mulheres na política no Brasil não está explicada por questões que estejam relacionadas às mulheres - no sentido de sua preparação, capacidade e disponibilidade -, nem aos eleitores e eleitoras, no tocante a sua pré-disposição de votar em mulheres. Essa escassez parece, sim, ser muito mais um resultado da falta de suporte que encontram nas esferas partidárias, ou mesmo, por alguma expectativa não satisfeita neste sentido. Essa limitação, que se repete ano após ano, ficou ainda mais intensa na pandemia.

Somado a tudo isso, é preciso incluir ainda a questão do distanciamento. Em algumas conversas mais recentes com candidatas, várias delas relataram que, por preocupação com pessoas mais velhas ou outros grupos de risco, tiveram que abrir mão da campanha de rua, concentrando sua atuação nas redes sociais, diminuindo, assim, um importante campo de ação. As mulheres, cujas imagens estão atreladas ao cuidado, parecem mais cobradas para terem cautela.

Se, por um lado, existe neste ano atípico um número recorde de candidatas e um enorme incentivo para que elas consigam se eleger; por outro, o contexto pandêmico parece apresentar uma série de novos e antigos obstáculos, com os quais elas terão que lidar nesta maratona. Eleições com pouco tempo de campanha e eleitores preocupados tendem a beneficiar quem já está no poder. Até o momento, a maior parte do financiamento continua dirigida aos homens brancos. As mulheres, que ocupam apenas 13% das cadeiras de vereadora, terão que se desdobrar ainda mais.

*Malu A. C. Gatto é professora de política Latinoamericana no Instituto das Américas da University College London (UCL) e Global Fellow no Brazil Institute do Wilson Center em Washington, D.C.. Sua pesquisa explora questões sobre comportamento político, representação, e formulação de políticas de gênero. Malu é doutora em ciência política pela Universidade de Oxford e foi pesquisadora de pós-doutorado na Universidade de Zurique.
Débora Thomé é pesquisadora associada ao LabGen-UFF. Doutora em Ciência Política (UFF), sua pesquisa é concentrada em questões de gênero que envolvem acesso aos espaços de poder, representação e ambição política. Foi visiting scholar da Columbia University e é professora do Columbia's Women's Leadership Network. Desde 2016, vem dando cursos para mulheres candidatas em todo o país. É autora dos livros "Mulheres e poder" (com Hildete Pereira de Melo) e do infantil "50 Brasileiras Incríveis para conhecer antes de crescer".

Esse texto foi elaborado no âmbito do projeto Observatório das Eleições de 2020, que conta com a participação de grupos de pesquisa de várias universidades brasileiras e busca contribuir com o debate público por meio de análises e divulgação de dados. Para mais informações, ver: www.observatoriodaseleicoes.com.br