Cenário indefinido em Belém entre Psolista e bolsonarista
Carlos Augusto da Silva Souza e Luciana Santana*
Belém é uma das capitais que mais desperta a atenção do país. Primeiro devido à chegada de um candidato psolista ao segundo turno, algo que só se repetiu em São Paulo nessas eleições. E também por ser uma das poucas capitais em que um candidato bolsonarista supera nomes tradicionais da política local e chega competitivo na reta final do segundo turno.
Desempenho dos candidatos nas pesquisas
A pesquisa Ibope/TV Liberal divulgou no último sábado (21) a primeira pesquisa de intenção de votos no segundo turno. De acordo com o levantamento, os dois candidatos estão tecnicamente empatados. Edmilson Rodrigues (PSOL) aparece com 45% das intenções de voto contra 43% do delegado federal Eguchi (Patriotas).
O cenário eleitoral em Belém está indefinido, mas há boas chances para a volta de um partido de esquerda para o comando da capital paraense. Nas alianças de segundo turno, Edmilson recebeu apoio do candidato do PSB, Cássio Andrade, que teve 8,8% dos votos.
O PSDB, por sua vez, declarou apoio ao nome do Patriotas. Apesar de não haver um apoio formal do candidato do MDB, que declarou neutralidade, é de se esperar que devido às rivalidades desta legenda com o PSDB na capital paraense, a maior parte do eleitorado que votou no candidato do MDB dirija-se preferencialmente para Edmilson.
Cenário não previsto
As pesquisas de intenção de voto não previam a disputa entre os dois candidatos que estão no segundo turno. Entre os candidatos mais bem posicionados nas pesquisas de primeiro turno, estava o candidato do PSOL, Edmilson Rodrigues, em aliança com diversos partidos de esquerda (PT, PDT, PCdoB, PCB, UP e Rede), e o candidato do MDB, José Priante, partido que ocupa atualmente o governo do Estado e ligado à família Barbalho.
Dois outros candidatos apareciam como relevante nas pesquisas, Thiago Araújo, do Cidadania, apoiado pelo atual prefeito Zenaldo Coutinho do PSDB, partido que não lançou candidato, e Everaldo Eguchi, do Patriotas, que não fez coligação com nenhum partido.
Contrariando o que indicavam as pesquisas, o candidato do Patriotas, mesmo com pouco tempo de propaganda na TV, chegou ao segundo turno, vencendo o candidato apoiado pela família Barbalho e estabelecendo-se como uma força política relevante para a disputa da Prefeitura, agora com o apoio declarado do presidente Jair Bolsonaro.
A candidatura do Delegado Eguchi ganhou força na última semana do primeiro turno e obteve como resultado 23,6% dos votos válidos contra 34,22% do candidato do PSOL. Priante ficou com 17,3% e Thiago Araújo com 8,09% dos votos válidos.
A eleição em Belém teve cerca de 20,7% de abstenção, 3,4% de votos brancos e 5,8% de votos nulos.
Quem são os candidatos Edmilson Rodrigues e Everaldo Eguchi
Edmilson Rodrigues nasceu em 1957 na cidade de Belém, capital do Pará. É arquiteto formado pela Universidade Federal do Pará (UFPA), com mestrado em Planejamento do Desenvolvimento pela UFPA e doutorado em Geografia Humana pela Universidade de São Paulo (USP). É professor da Universidade Federal Rural da Amazônia (UFRA) desde 1982 e possui vários livros publicados sobre política urbana.
É um político de grande tradição no Pará, tendo sido eleito deputado estadual pelo PT em 1986 e 1990. Elegeu-se prefeito de Belém pelo PT em 1996 e foi reeleito em 2000. Em 2005, trocou o PT pelo PSOL, pelo qual foi eleito deputado estadual em 2010 e deputado federal em 2014 e 2018.
Durante sua passagem pela prefeitura de Belém, Edmilson Rodrigues fez uma gestão pautada na implantação de projetos sociais e culturais e pela revitalização de áreas periféricas da cidade. Saiu da Prefeitura como um governante bem avaliado, tendo recebido vários prêmios internacionais, entre eles o prêmio de Prefeito Amigo da Criança, concedido pela ONU por dois anos consecutivos. Também obteve êxito em projetos sociais que retirava crianças em condições de vulnerabilidade social que trabalhavam com os pais na área de depósito de lixo, conhecido como Lixão do Aurá, oferecendo apoio social, financeiro, educacional e profissional para toda a família. Obteve elevado destaque em políticas como o banco do povo e família saudável, entre outros.
Everaldo Eguchi nasceu em 1963 no município de Tomé-Açu (PA). Formado em economia e direito, ingressou na Polícia Federal como delegado em 2007. Em sua atuação profissional participou das operações da Lava Jato dentro do Estado do Pará, o que lhe ofereceu certo capital político para ingressar nas arenas decisórias da política tradicional. Entretanto, o candidato possui pouca experiência neste campo, pois disputou sua primeira eleição somente em 2018, concorrendo a deputado federal pelo PSL, mas não conseguiu se eleger.
Apoiador do presidente Jair Bolsonaro, ele chegou a ser cotado para ser superintendente do Ibama no Pará, o que acabou não se confirmando.
Apesar de não ter recebido apoio formal do presidente da República no primeiro turno, Eguchi fez uma campanha associada à Bolsonaro com o slogan "#fechadocombolsonaro". Tem feito críticas à "velha política" e apresentado a bandeira de combate à corrupção como uma de suas principais propostas. Tem prometido também uma gestão técnica sem "amarras ideológicas".
Estratégias para o segundo turno
A candidatura de Edmilson Rodrigues, além da propaganda tradicional nas ruas e na TV, tem estabelecido estratégias de divulgação nas redes sociais, tentando atrair especialmente o eleitorado mais jovem e neutralizar as propagandas de fake news e desqualificação do candidato do Patriotas utilizadas pela direita conservadora.
Em sua campanha, Edmilson tem utilizado o slogan "Belém de novas ideias", procurando destacar a participação cidadã que será o foco de sua gestão, por meio da criação de canais de comunicação com a sociedade civil e de plataformas para colaboração mútua. Entre suas prioridades estão o estabelecimento de políticas urbanas e ambientais, acesso à moradia, saneamento, transporte urbano e atenção à preservação do patrimônio histórico e cultural da cidade.
Já o Delegado Eguchi apresenta-se na disputa como um candidato "outsider", ou seja, um candidato com pouca ou nenhuma experiência na política partidária. Tem procurado surfar na onda que elegeu Jair Bolsonaro em 2018, utilizando uma narrativa fortemente pautada pelo discurso anti sistema e rechaço da ordem estabelecida. Busca atrair o eleitorado mais conservador e descontente com a política tradicional e aquele que deu a vitória a Jair Bolsonaro na cidade de Belém em 2018. O lema de sua campanha é "Deus, Pátria e Família".
O candidato já recebeu apoio formal do partido Solidariedade e do PSDB, partido do atual prefeito de Belém, Zenaldo Coutinho, que não lançou candidato. Entretanto, a gestão do atual prefeito foi considerada ruim, tendo sido reprovada por 76% da população de acordo com a última pesquisa do Ibope divulgada no dia 20 de novembro, o que pode não ser tão favorável ao candidato, principalmente nos bairros mais carentes.
O programa de Eguchi para o segundo turno reforça as estratégias de combate à corrupção, com divulgação de informações por meio de plataformas eletrônicas e promoção de treinamentos especializados para as forças de segurança pública da cidade no combate à criminalidade. Em sua campanha, há um forte apelo ao mercado, através da promoção de parcerias público-privadas, de forma a diminuir o papel do setor público na gestão da cidade.
Entre as propostas, também há a implantação de planos para elevar Belém ao conceito de "cidade inteligente", através da adoção de tecnologias da informação e comunicação para otimizar a eficiência das operações e serviços do setor público e sua integração com os cidadãos. Na área da educação prevê a implantação do Projeto Municipal de Escolas Cívico-Militares. Também tem destacado a substituição dos aterros sanitários pelas usinas de biodigestores para gerar energia através de esgoto e lixo.
Resultado incerto em Belém
A eleição em Belém desperta grande interesse, pois é o cenário mais evidente de um candidato fortemente vinculado ao bolsonarismo contra um candidato fortemente identificado com as políticas sociais defendidas pelos partidos de esquerda. O resultado na capital paraense ainda é incerto.
*Carlos Augusto da Silva Souza é mestre e doutor em Ciência Política pelo Instituto Universitário de Pesquisas do Estado do Rio de Janeiro, com pós-doutorado na Universidade Federal de Minas Gerais. É professor associado da Universidade Federal do Pará (UFPA), onde atua no Programa de Pós-Graduação em Ciência Política e na Faculdade de Ciências Sociais. É líder do grupo de pesquisa: "Observatório Eleitoral do Estado do Pará", e atualmente ocupa a direção da regional Centro-Norte da ABCP.
Luciana Santana é mestre e doutora em Ciência Política pela Universidade Federal de Minas Gerais, com estância sanduíche na Universidade de Salamanca. É professora adjunta na Universidade Federal de Alagoas (UFAL), líder do grupo de pesquisa: Instituições, Comportamento político e Democracia, e atualmente ocupa a vice-diretoria da regional Nordeste da ABCP.
Esse texto foi elaborado no âmbito do projeto Observatório das Eleições de 2020, que conta com a participação de grupos de pesquisa de várias universidades brasileiras e busca contribuir com o debate público por meio de análises e divulgação de dados. Para mais informações, ver: www.observatoriodaseleicoes.com.br.
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