Financiamento privado privilegia a eleição de homens brancos
Carlos Machado e Luiz Augusto Campos*
A inédita participação de pretos(as) e pardos(as) dentre as candidaturas nas eleições municipais de 2020 implicou um avanço, mas limitado. Em relação às eleições de 2016, o aumento na proporção de candidaturas pretas ou pardas foi de apenas três pontos percentuais. Vale notar que o crescimento foi desigual em termos de gênero, já que homens pretos saíram de 6,1% de candidatos a vereador para 7,1% e mulheres pretas de 2,8% para 3,7%. Em 2020 permanece o predomínio de candidaturas de homens brancos, os quais compõem 30,1% da disputa das câmaras de vereadores e 54,9% dos candidatos à prefeitura.
Os avanços em relação aos eleitos foram igualmente tímidos. Na disputa a vereador(a), pessoas pretas e pardas ampliaram sua representação em três pontos percentuais, saindo de 42,4% de eleitos(as) em 2016 para 45,6% em 2020. Quando observada a representação de mulheres não brancas, a ampliação pode parecer mais intensa, já que houve aumento de 23% em relação a 2016. Porém, tal avanço parte de patamares muito baixos. Em termos absolutos, estamos falando de algo em torno de 600 cadeiras a mais, equivalente a 1,06% no universo de 56.350 vagas em disputa. Existe, portanto, muito ainda a avançar.
Contudo, esses números agregados não consideram que os avanços foram de magnitude distinta em cidades com perfis díspares. Com base nos dados até o momento disponíveis, parece ter havido um aumento mais intenso das candidaturas não brancas, sobretudo femininas, em capitais e grandes centros urbanos. Ao mesmo tempo, estes perfis aparentam trazer uma inovação em comparação a eleições anteriores quanto a seu maior engajamento social, algo que estava em declínio no interior da classe política.
O efeito das regras de distribuição de recursos
Há que se questionar em que medida a distribuição de recursos de campanha afetou esses perfis, em particular o de mulheres não brancas. A decisão do TSE quanto à alocação de recursos provenientes do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) e do Fundo Partidário (FP) em campanhas de candidaturas pretas e pardas proporcionalmente ao quantitativo de suas candidaturas em cada partido ainda está envolta em uma série de incertezas.
Por um lado, partidos gozam de ampla autonomia para definir a distribuição desses recursos, uma vez que a fiscalização se dará considerando o total de recursos aportados nacionalmente, desconsiderando, portanto, as condições específicas de cada município. Ao mesmo tempo, o recurso pode ser concentrado em candidaturas específicas, reduzindo a possibilidade de afetar positivamente um quantitativo mais amplo e diverso de candidaturas.
Devido a esses fatores, nas últimas semanas têm sido comum denúncias por diferentes veículos de comunicação quanto a possíveis falhas na aplicação da distribuição do fundo de campanha por critérios de gênero e de raça. Contudo, é importante avaliar esses mecanismos a partir dos cenários no qual teriam maior chance de surtir efeito. Nesse sentido, ao olhar para as capitais brasileiras, em particular entre as candidaturas com maior expressão eleitoral, é possível perceber alguns padrões relevantes para esta discussão e que certamente ainda devem ser estudados mais detidamente.
A importância dos recursos públicos
De forma inicial, e buscando pensar hipóteses para estudos futuros, coletamos informações sobre a estrutura de financiamento de candidaturas de cinco capitais de estado, uma por região brasileira, observando as dez maiores votações de eleitos e eleitas, bem como todas as mulheres não brancas eleitas nestes municípios.
Sem considerar a comparação quanto ao montante de recurso utilizado, mas apenas ao tratar sobre a origem desses recursos, se públicos ou de fontes privadas, é possível notar estruturas de financiamento distintas nas quais homens brancos dependem de forma reduzida de recursos públicos para apresentarem desempenho elevado, enquanto mulheres brancas e homens e mulheres não brancas apresentam mais de 50%¨do financiamento advindo de fontes públicas.
Quando observamos as mulheres não brancas eleitas, porém com menor performance em termos de votos, elas também apresentam mais de 50% de recursos públicos, sendo uma parcela significativa com mais de 75% desse tipo de aporte. Com essa comparação é possível considerar que recursos privados têm beneficiado os homens brancos, tornando ainda mais importantes os recursos públicos para candidaturas de pretas e pardas e de mulheres brancas. Neste observatório, apresentamos o financiamento de algumas dessas candidaturas.
Permanecem, portanto, importantes debates sobre a aplicação das cotas raciais quanto ao financiamento público. É necessário criticar artifícios utilizados por líderes partidários para driblar o seu princípio, a redução das desigualdades de entrada na competição eleitoral. No entanto isso não desqualifica a validade da medida. Para o combate às desigualdades eleitorais raciais deve-se reforçar a atenção pública sobre como aprimorar a distribuição de financiamento público, compreendendo a forma como ele pode contribuir para ampliar a representação política de não brancos(as).
* Carlos Machado é professor de Ciência Política no Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília (Ipol-UnB), coordenador do do Núcleo de Pesquisa Flora Tristán e do projeto de extensão Ubuntu: Frente Negra de Ciência Política.
Luiz Augusto Campos é professor de Sociologia e Ciência Política no Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (IESP-UERJ), editor da revista DADOS e coordenador do Grupo de Estudos Multidisciplinares da Ação Afirmativa (GEMAA).
Esse texto foi elaborado no âmbito do projeto Observatório das Eleições de 2020, que conta com a participação de grupos de pesquisa de várias universidades brasileiras e busca contribuir com o debate público por meio de análises e divulgação de dados. Para mais informações, ver: www.observatoriodaseleicoes.com.br
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