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Reinaldo Azevedo

Esquizofrenia: depois de ataque boçal a servidor, Planalto recua de reforma

Governo atua, na prática, contra aquelas que são suas próprias balizas - ThinkStock
Governo atua, na prática, contra aquelas que são suas próprias balizas Imagem: ThinkStock

Colunista do UOL

12/02/2020 08h45

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A reforma administrativa dançou. É isso mesmo! Tudo indica que o governo desistiu de enviar a proposta ao Congresso, sabe-se lá por quanto tempo. "Não tenho como precisar um prazo para a Reforma Administrativa ir ao Congresso", afirma, por exemplo, Jorge Oliveira, secretário-geral da Presidência e hoje homem forte de Jair Bolsonaro.

Por que isso acontece? Porque, a rigor, o próprio governo, como ente, não sabe o que quer. Paulo Guedes tem suas próprias ideias a respeito, mas estas não correspondem às de Jair Bolsonaro, que está de olho na política.

De resto, lá vamos nós, este é um ano eleitoral, e os parlamentares têm receio do povo. A reforma administrativa mexe basicamente com os servidores. Eles não são tantos assim. Mas têm familiares, amigos e atendem basicamente ao público. Uma reforma que coloque o funcionalismo em pé de guerra — já que as mudanças tenderiam a ser replicadas nos Estados — não interessa ao governo e aos políticos em ano eleitoral. Ah, sim: 2021 é ano pré-eleitoral...

É por isso que se diz que reforma de peso mesmo se faz no primeiro ano de mandato. Depois, com eleição a cada dois anos, tudo fica mais difícil. Graças ao Congresso — e à demonizada imprensa —, fez-se a da Previdência no ano passado.

Bolsonaro gosta de bater no peito para anunciar que não faz acordos políticos com ninguém, que não distribui cargos etc. Isso nem é exatamente verdade. Mas é fato que ele resiste em ter uma base de apoio consolidada no Congresso. Há idiotas que aplaudem e que veem nisso uma das virtudes de sua gestão. Errado! Isso é um defeito.

Está aí a não-reforma administrativa a evidenciá-lo. Ainda que a formação de uma base de apoio tivesse algum custo adicional aos cofres públicos — isso é sempre difícil de mensurar —, seria certamente menor do que não fazer a reforma administrativa. E ela tende a ser retardada sem prazo — ou a não ser feita — se não sair uma proposta do Planalto.

E, como se nota, o governo não quer fazer proposta nenhuma. Bolsonaro evidenciou, desde o início, que quer o bônus de governar, mas não o ônus. É notório que não se esforçou o bastante para a reforma da Previdência. Esta avançou em razão do esforço do Parlamento. E agora tira o pé do acelerador da reforma administrativa. É como se dissesse: "Se o Congresso quiser, que faça".

Vejam a natureza esquizofrênica do governo. Na sexta, o ministro Paulo Guedes, da Economia, na ânsia de provar a necessidade da reforma administrativa, chama os servidores de "parasitas". Vem o sururu. E com razão. A fala foi infeliz, despropositada e, como alertei aqui, contraproducente. Na terça, o governo anuncia que não tem data para enviar a proposta ao Congresso. E é provável que não haja texto nenhum.

Com sua fala abusada, Guedes conseguiu colocar o governo — e colocar-se — na defensiva. Teve de pedir desculpas. Parlamentares querem convocá-lo a prestar esclarecimentos ao Congresso. Associações de servidores resolvem se mobilizar. Pronto! A confusão está armada. E Bolsonaro resolveu olhar para o lado.

E, por ora, a reforma tributária anda no mesmo compasso. Até agora, o governo não tem uma proposta. Senadores já se negaram a integrar uma comissão mista no Congresso porque, dizem, não podem entrar num debate sem ter um núcleo a partir do qual trabalhar. Também nesse caso, o Planalto quer passar a batata quente adiante.

JEITO DE FAZER AS COISAS
Bolsonaro tem seu jeito de fazer as coisas, não é? Há nele alguma esperteza. A questão é saber se o país avança. Ele prefere seguir o modelo do "Tio do churrasco": reclama de tudo e apresenta soluções simples e erradas para problemas difíceis e pronto! Depois é só mudar de assunto...

Agiu assim, por exemplo, com o preço dos combustíveis. A sua indignação parecia genuína. Ocorre que fingia não ser o presidente da República. Ora, se há alguém com poder para fazer com que uma proposta sua seja debatida, esse alguém é ele próprio. Ocorre que não tinha ideia do que fazer. Queria apenas dar curso à cultura da reclamação. E o que chegou a se parecer com uma proposta na sua fala — o fim dos impostos federais e do ICMS — era uma aberração.

Governar é também se desgastar, é correr risco, é ter de caminhar muitas vezes na contramão, é arcar com o custo de eventuais medidas impopulares, é contrariar interesses. Bolsonaro só vê graça no enfrentamento se, do outro lado, estiverem a esquerda ideológica e os grupos pelos quais tem franca antipatia, esquerdistas ou não.

Mais uma vez, a bola está com o Congresso. Se quiser, que toque adiante as reformas. Ocorre que, desta feita, já escrevi aqui, a coisa é bem mais complicada.

E assim caminhamos: na sexta, o ministro mais importante do governo insulta todo o funcionalismo na ânsia de defender a reforma administrativa. Na terça, o governo anuncia, na prática, que, por ele, não haverá reforma nenhuma.

Daqui a pouco, o presidente vai ao encontro de seus fãs às portas do Palácio da Alvorada para insultar a imprensa, que, vejam vocês!, é o principal instrumento de alcance público em defesa das reformas administrativa e tributária — as mesmas que, em tese, o governo quer fazer.