Bolsonaro, dada a crise, tenha a decência de aprender com FHC e Lula!
Receba os novos posts desta coluna no seu e-mail
Parece claro que o governo ainda não ligou o nome à coisa. O impacto do coronavírus na economia mundial já é maior do que se esperava, mas ainda longe da catástrofe. Ocorre que, além da coisa em si, há as decisões estúpidas, às vezes de caráter localista e que interessam apenas a um cartel, mas que acabam tendo efeitos globais. Como a estupidez alheia, ou sua cupidez, é vertente que não é de nossa escolha, convém não fazer besteira. Explico o que quero dizer e deixo de saída uma recomendação: "Presidente Jair Bolsonaro, tenha a humildade e a decência de aprender com quem sabe muito mais do que Vossa Excelência. Refiro-me, no caso, aos ex-presidentes Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva". Vamos ver.
As coisas já eram complicadas em si. Aí a Arábia Saudita propôs a seus colegas da Opep uma redução na produção de petróleo para segurar os preços. Não conseguiu chegar a um consenso, tomou-se de brios e disse um "É assim? Então tá!" Tomou a decisão unilateral de elevar ainda mais a oferta de petróleo, diante de uma demanda já reduzida, e os preços despencaram. Resumo da ópera: a Petrobras perdeu R$ 67 bilhões em valor de mercado num piscar de olhos, a Bolsa despencou, as operações foram suspensas, e o dólar roçou nos R$ 4,80.
Só para lembrar: na sexta, Paulo Guedes, um autocentrado incorrigível, afirmou que a cotação da moeda americana dependeria de os brasileiros fazerem ou não a coisa certa. Depende um pouco. Mas notem como a coisa errada alheia também nos afeta. Nenhum país é uma ilha. Nem a Inglaterra. Nem a Austrália. Nem o Japão...
A boa notícia: o vírus parece estar numa descendente na China, epicentro da doença. A má notícia: está ainda em expansão no mundo. Países agora farão coisas certas e coisas erradas — do seu próprio ponto de vista e do ponto de vista de parceiros. Uma coisa é inquestionável: o papel de um governante não é fazer de conta que nada está acontecendo. Menos ainda convém investir na crise. É nessa hora que se pede que entre em cena a vocação de estadista. Se, em vez dela, comparecer ao debate o arruaceiro ou o humorista amador, aí a vaca, ou a anta, vai para o brejo.
Bolsonaro tem duas referências de comportamento de governante durante crises que acabam tendo alcance global. Pode-se espelhar em FHC no começo de 1995 — quando a economia mexicana virou uma pasta de guacamole, contaminando os emergentes, no chamado "Efeito Tequila" — ou no Lula de 2008, quando cravou, para escárnio dos adversários, o termo "marolinha" ao se referir aos efeitos no Brasil do estouro da bolha imobiliária nos EUA.
E, bem..., o nosso grande "duce" pode seguir o modelo de um tal Jair Bolsonaro mesmo. Nesse caso, troca de lugar com um humorista, comporta-se como um "clown" que comete o pecado fatal de não ter graça, e, na vertente virulenta, convoca a população para ir às ruas contra o Congresso e o Supremo, mesmo entregando um crescimento bisonho de 1,1% em 2019, com a perspectiva de repetir o feito, quem sabe piorá-lo, em 2020.
Oh, não! O dito "Mito" não tem responsabilidade nenhuma na expansão do coronavírus ou no destrambelhamento da Arábia Saudita. Mas saber o que fazer do que andam fazendo por aí é responsabilidade sua, sim. E ele está fazendo porcaria por enquanto.
Em 1995, o Brasil e os emergentes foram sacudidos pela crise mexicana. Por aqui, parte considerável das esquerdas via no Plano Real — com a moeda nacional valorizada diante do dólar, não o contrário — a expressão maior do tal "neoliberalismo", o que era uma bobagem fabulosa. Viam o caos no horizonte e, vamos ser francos, havia uma indiscreta torcida, ainda em clima pós-campanha, pela derrocada do modelo.
É claro que o país teve dificuldades, mas o caos não veio. A Internet está aí. Visitem o noticiário da época. FHC cumpriu um de seus papéis, que é evitar o pânico, mas reconheceu a gravidade da situação e fez o que se deve fazer nesses casos: pregou a união do país, sem demonizar ninguém. Mais apanhou dos adversários do que bateu neles. Aliás, não batia. Quando, com alguma ironia, afirmou que a oposição fazia muito "nhenhenhém", foi severamente reprimido pelo establishment político. Bons tempos aqueles em que presidentes só usavam metáforas ou onomatopeias acima da linha da cintura.
MAROLINHA
Em 2008, previu-se um tsunâmi mundial com o estou da bolha imobiliária americana -- e a crise, de fato, foi feia --, mas o presidente de então, Lula, cravou um "não se assustem; por aqui, será uma marolinha". O PIB cresceu 5,2% naquele ano e, de fato, caiu 0,2% em 2009, um efeito modesto diante do tamanho da crise. Expandiu-se 7,5% em 2010, ano da disputa eleitoral, e Lula elegeu Dilma presidente.
Sei que sobra muito espaço para tertúlias entre "pálidos economistas", como cantou Chico Buarque na música "Sonhos sonhos são". Muitos viram e veem ainda hoje, numa pegada retrospectiva, erros e barbeiragens de FHC em 1995 e de Lula em 2008 e 2009, mas o fato é que, nos dois casos, o presidente de turno se encarregou de unir o país, não de dividi-lo. Nos dois casos, buscou o apoio do Congresso para medidas que tinham o objetivo de proteger a economia. E, por óbvio, nem um nem outro apelaram às ruas para demonizar dois Poderes da República.
A irresponsabilidade da fala de sábado de Bolsonaro, convocando a manifestação do dia 15, não encontra correspondência ou paralelo em nenhum momento da história.
Quando deputado, ele defendeu que FHC fosse fuzilado. Lula, como se sabe, é o seu alvo predileto — e, a rigor, o "Mito" só é presidente porque conseguiu capitalizar a onda antipetista que a Lava Jato ajudou a produzir. E, no entanto, deveria olhar para o exemplo dos dois ex-presidentes e aprender como um adulto responsável se comporta diante de uma crise série.
Por enquanto, vemos molecagem, arruaça e irresponsabilidade.