Topo

Reinaldo Azevedo

Fachin posa de príncipe, mas é sapo. Anda a enganar esquerda e direita

Reprodução
Imagem: Reprodução

Colunista do UOL

24/08/2020 04h01Atualizada em 25/08/2020 12h10

Receba os novos posts desta coluna no seu e-mail

Email inválido

Quero aqui dar os parabéns para quem faz a assessoria pessoal do ministro Edson Fachin, do Supremo. Seja lá quem for, o ministro tem de lhe conceder aumento de salário em razão da eficiência. Jamais li na imprensa tantos textos a seu favor saídos do nada. De repente, vemos reaparecer aquele Fachin dito progressista, que chegou ao STF com o apoio, por exemplo, do MST. Uma vez na corte, fez-se um lava-jatista fanático, endossando todos os desatinos da extrema-direita moro-lava-jatista.

Um dos textos lembra até essa vinculação com as esquerdas, com o PT em particular, mas assegura que, no tribunal, ele se comporta com independência. Quem vota sempre com a Lava Jato é independente de quê? Ou a prova desse seu espírito livre está em votar sempre contra os petistas?

Não condescendo com despudor intelectual. A onda de "fachinismo" na imprensa começou com o ministro a dizer que votou a favor da elegibilidade de Lula em 2018. Pois é... A Lei da Ficha Limpa está cheia de furos, mas é clara neste particular: a inelegibilidade se dá com a condenação em segunda instância.

Pessoalmente, acho uma aberração porque se impõe uma restrição antes do trânsito em julgado. Ocorre que Fachin é favorável à execução antecipada da pena — não é o único, sei disso —, mesmo contrariando direito fundamental assegurado no Inciso LVII do Artigo 5º da Constituição, uma cláusula pétrea. Logo, seu voto pela elegibilidade de Lula é absolutamente injustificável, a menos que seja contrário à Lei da Ficha Limpa. Mas, se é, o único caminho para sê-lo é considerar que se trata de uma espécie de punição antes do trânsito em julgado.

Fachin é uma piada! Ele votou contra a concessão do habeas corpus a Lula em abril de 2018, mas em favor do registro de sua candidatura em agosto do mesmo ano. Este grande patriota, este grande constitucionalista, este visionário, este homem destemido e independente queria o quê? Um candidato à Presidência que fizesse campanha da cadeia, é isso? Notaram o truque? Em abril, seu voto poderia ter tirado Lula da prisão. Ele disse "não". Em agosto, ele sabia que iria perder. Então disse "sim".

Fachin só é corajoso quando sabe que seu voto é irrelevante. No meu vocabulário moral, isso é covardia.

De novo, minhas congratulações a quem cuida da sua assessoria de imagem, oficial ou oficiosamente. Conseguiu fazer setores da imprensa engolir esta maravilha:
a: em abril de 2018, Fachin disse que o lugar de Lula era a cadeia;
b: em agosto do mesmo ano, achou que aquele que estava preso em razão do seu próprio voto poderia se candidatar.

E não é, ministro, que o senhor ganhou texto encomiástico até de colunista de esquerda?

EPISÓDIO MORO-PALOCCI
Há meros 20 dias, a Segunda Turma do Supremo votou a exclusão de parte da delação picareta de Antonio Palocci a um inquérito que apura se Lula recebeu vantagens da Odebrecht -- no caso, um terreno para construir seu instituto, que lá não foi construído. Nem deveria haver ação penal por inexistência de objeto, diga-se.

Sergio Moro levantou o sigilo de parte da delação precisamente às 11h45 do dia 1º de outubro de 2018, a meros seis dias do Primeiro Turno, realizado no dia 7 daquele mês. O alvo, claro!, eram Lula e o PT. Cinicamente, o então juiz falou que o fazia para dar aos acusados chance de defesa, incorporando o palavrório palocciano ao tal inquérito. Uma aberração sem limites! Um mês depois, em 1º de novembro, Moro aceitou ser ministro da Justiça do então presidente eleito: justamente Bolsonaro, com quem Lula não pôde concorrer em razão, originalmente, da condenação de lavra do próprio Moro — condenação sem provas, referendada pelo TRF-4.

Muito bem: no dia 4 deste mês, a Segunda Turma apreciou recurso da defesa pedindo que a delação de Palocci fosse excluída do inquérito em razão de uma atitude obviamente parcial e política de Moro. Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski fizeram o certo e acataram o pedido. Doente, Celso de Mello não votou. Cármen Lúcia não deu as caras na sessão a distância, e Fachin, o destemido, votou contra a exclusão — vale dizer: contra Lula e a favor da Moro e do absurdo.

Aquele que engana alguns esquerdistas com seu papo-furado sobre o voto em favor de Lula no caso da elegibilidade não se constrangeu ou corou e votou a favor da incorporação ao inquérito das acusações sem provas de Palocci contra o ex-presidente. Ele não viu nada de errado no fato de o juiz liberar trecho da delação seis dias antes da eleição e de, um mês depois, aceitar cargo no Ministério.

SUSPEIÇÃO
Este mesmo Fachin já votou, em dezembro do ano passado, contra a suspeição de Moro. Tratou-se de um voto pré-Vaza Jato. Essas indecências de que acabo de falar já haviam acontecido. E, no entanto, o ministro não perecebeu nada de errado.

Aí vieram os despropósitos revelados pelo site The Intercept Brasil e parceiros. E, no entanto, Fachin mantém o seu voto, embora seja incapaz — e fica o desafio para ele também — de dizer em que página da sentença de Moro está a prova da denúncia apresentada pelo Ministério Público Federal contra Lula.

E não! Ainda assim, ele não mudou o seu voto. Não mudá-lo implica dizer que Fachin acha normal que um juiz sugira testemunhas e oitivas ao órgão acusador, que procure instruir uma resposta do MPF para desmoralizar a defesa, que interfira na atuação de procuradores, que discuta e sugira fases da operação, que ouça passivamente e até aplauda o procurador a contar como pretende manipular a opinião pública...

Sobre Fachin, afinal, Deltan Dallagnol já expeliu a frase imortal: "Aha, uhu! Fachin é nosso!"

AUTORITARISMO E TRUQUE
"Ah, mas Fachin alertou para o risco de o Brasil cair no autoritarismo com Bolsonaro, Reinaldo!"

É mesmo??? E daí?

Estamos encerrando o vigésimo mês de governo. Só agora Fachn despertou para isso?

Vejam que coisa... Dias Toffoli, acusado de ser próximo demais de Bolsonaro, foi quem abriu de ofício o inquérito que meteu um freio de arrumação contra a sanha golpista. Até Augusto Aras determinou a investigação de atos antidemocráticos. Fachin, que agora quer uma vaguinha como grande pensador da liberdade, era um crítico do inquérito nos corredores da Casa. Só não votou contra a sua existência porque Bolsonaro estava no auge do delírio fascistoide.

Não custa lembrar que o ministro é pioneiro em ter em gabinete a sua própria assessoria de imagem. Quando Rodrigo Janot reinava como Luís 14 da Procuradoria-Geral da República, o trabalho era feito por Débora Pelella, mulher de Eduardo Pelella, que foi chefe de gabinete de Janot. Com a devida vênia, as relações perigosas falam por si.

PERGUNTA
Fachin está mesmo preocupado com o autoritarismo bolsonarista ou está fazendo firula, procurando já guardar um lugar informal na pré-campanha de Sergio Moro à Presidência -- que terá de, necessariamente, bater em Bolsonaro para se viabilizar, buscando recuperar o ímpeto da Lava Jato?

Notaram a identidade de propósitos? Antibolsonaristas, mas lavajatistas!

O ministro quer mesmo evidenciar que está empenhado em fazer justiça? Pois que vote, então, pela suspeição de Moro no processo do tríplex e faça um mea-culpa por ter admitido num inquérito contra Lula uma delação (a de Palocci) que a própria Polícia Federal afirma não estar sustentada em provas, mas apenas em fofoca.

Mas ele não vai fazer nada disso.

Para enganar parte ao menos das esquerdas e da própria extrema-direita, que só o atacou porque é ignorante, basta esse seu joguinho primitivo e ambíguo.

Reforço os parabéns à sua assessoria de imagem: o sapo quase é tomado por um príncipe.

Os atentos, no entanto, notam que pula como um sapo, coaxa como um sapo, pensa como um sapo.

É sapo.