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Reinaldo Azevedo

Dallagnol elogiado? Por desmoralizar o MPF e ajudar a parir Bolsonaro?

Deltan Dallagnol deixa a Lava Jato: Nem se trata de dizer "antes tarde do que nunca". Muito estrago foi feito. E reparação levará muito tempo - Fernando Frazão/Agência Brasil
Deltan Dallagnol deixa a Lava Jato: Nem se trata de dizer "antes tarde do que nunca". Muito estrago foi feito. E reparação levará muito tempo Imagem: Fernando Frazão/Agência Brasil

Colunista do UOL

01/09/2020 16h16

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O procurador Deltan Dallagnol resolveu deixar a coordenação da Lava Jato em Curitiba. Familiar seu teria problema de saúde, a requerer seu afastamento, por razão que não fica clara. Que se saiba, continuará a trabalhar normalmente. De saída, duas coisas a lamentar:

1: o problema em si, fazendo votos sinceros de que tudo se saia pelo melhor. Afinal, ninguém merece ler o que Lula leu na troca de diálogos de procuradores da Lava Jato sobre as respectivas mortes de um irmão, de sua mulher e de um neto, de apenas sete anos. Aquilo tudo foi de uma crueldade estúpida, num sinal evidente de que o ex-presidente sempre foi vítima de uma caçada. Nunca se tratou do devido processo legal;

2: a ser verdade que Deltan Dallagnol deixa a força-tarefa em razão de problemas pessoais, estamos diante de mais um sinal de deterioração de um pedaço ao menos do Ministério Público Federal. Tantas ele fez a justificar o afastamento e, mais do que isso, a sanção do Ministério Público Federal, que não deixaria de ser um despropósito, então, que uma razão pessoal, envolvendo terceira pessoa, o afastasse da operação.

Ele deveria estar fora da força-tarefa há muito tempo, pouco importando as circunstâncias de sua vida privada e suas disposições subjetivas.

O Ministério Público Federal emitiu uma nota sobre a sua saída. Lá está escrito:
"Por todo esse período, enquanto coordenador dos trabalhos, Deltan desempenhou com retidão, denodo, esmero e abnegação suas funções, reunindo raras qualidades técnicas e pessoais".

Ainda que a linguagem encomiástica seja comum nesses casos, trata-se de uma óbvia inverdade. É claro que ele não é o único a exibir práticas viciosas — e, nesse sentido, pouco importa quem coordene a Lava Jato; é preciso mudar o método, não apenas as pessoas —, mas é certo que se tornou um emblema de tudo o que não pode ser um procurador e um coordenador de uma força-tarefa.

Ele está sendo elogiado por quê?

- Por ter incentivado a investigação de ministros do Supremo, que têm prerrogativa de foro, constituindo, pois, tal prática em flagrante ilegalidade?

- Por ter cogitado usar a fama adquirida na Lava Jato para criar uma empresa de palestras e, assim, juntar muitos "Ks" — para empregar a sua linguagem ao se referir a mil reais? A empresa seria criada em parceria com seu colega, Roberson Pozzobon, em nome, claro!, das respectivas mulheres.

- Por ter se organizado para obter, de modo informal, dados do Fisco de pessoas que nem investigadas eram, ao arrepio, claro!, da Justiça?

- Por ter conversado com Sergio Moro, então juiz, modos oblíquos de incluir testemunhas no processo e por ter debatido com ele fases da operação?

- Por ter criado a farsa escandalosa do PowerPoint, o que também aparece no diálogos da Vaza Jato?

- Por ter usado e abusado das redes sociais, no suposto exercício da liberdade de expressão, para demonizar pessoas investigadas — que, muitas vezes, nem denunciadas tinham sido — e para atrair a fúria das redes contra o Supremo Tribunal Federal quando alguma decisão não era do seu agrado?

- Por ter tentando criar uma fundação de direito privado, utilizando a fabulosa quantia de R$ 1,25 bilhão, correspondente à metade de uma multa paga pela Petrobras?

- Por ter atuado para ser beneficiado pela prescrição em processos movidos contra ele no Conselho Nacional do Ministério Público, prática que sempre censurou naqueles que eram os seus alvos?

- Por ter sugerido 10 medidas contra a corrupção, sendo que quatros delas seriam exemplares de um estado fascistoide, a saber:
a: admissão de provas ilícitas num processo;
b: virtual extinção do habeas corpus;
c: ampliação insana das hipóteses de prisão preventiva;
d: teste de honestidade que era, na verdade, armadilha?

- Por ter ajudado a criar o clima de ódio à política — junto com outros colegas de Lava Jato — que ajudou a levar Jair Bolsonaro ao poder?

Tudo o que Deltan fez antes que as revelações do The Intercept Brasil viessem à luz já impunha, num MPF que estivesse à altura de sua missão, que fosse afastado da coordenação da força-tarefa, quiçá banido do MPF. Depois do que seu viu, a sua sobrevida não deixou de ser um elogio à impunidade.

Sai agora. Que outros não lhe sigam a trilha.