As desonerações: ao defender medidas, Pacheco evidenciou não ter base legal
É preciso deixar claro que é matéria de fato, não de opinião, a inconstitucionalidade da reedição — chama-se "prorrogação" por delicadeza interessada — da prorrogação da desoneração da folha de salários dos tais 17 setores e da redução da contribuição previdenciária dos municípios com até 156 mil habitantes. As duas coisas foram aprovadas por meio da Lei 14.784.
Dispõe o Artigo 113 das Disposições Transitórias:
"Art. 113. A proposição legislativa que crie ou altere despesa obrigatória ou renúncia de receita deverá ser acompanhada da estimativa do seu impacto orçamentário e financeiro."
É uma das disposições da Emenda à Constituição 95, de 15 de dezembro de 2016, ano em que a presidente Dilma foi impichada por suposta pedalada — eu me convenci há bastante tempo de que não aconteceu — e foi aprovada pelo Congresso por intermédio da PEC 55 com o pomposo nome de "Novo Regime Fiscal". É aquela que instituiu o teto de gastos. Parte do texto foi superado pelo novo Arcabouço Fiscal. Mas o Artigo 113 continua lá.
Vamos ver. A desoneração da folha custa R$ 9 bilhões por ano; a das Prefeituras, R$ 10 bilhões. Mandando a Constituição às favas, os senhores parlamentares não deram bola para o impacto financeiro.
Ao conceder liminar em favor de petição da Advocacia Geral da União, suspendendo os efeitos das desonerações, o ministro Cristiano Zanin, do STF, citou um voto de Roberto Barroso em outro julgado, lembrando que o Artigo 113 representa a constitucionalização do Artigo 14 da Lei Complementar 101, que é de 2000; é a tal da Lei de Responsabilidade Fiscal:
"Art. 14. A concessão ou ampliação de incentivo ou benefício de natureza tributária da qual decorra renúncia de receita deverá estar acompanhada de estimativa do impacto orçamentário-financeiro no exercício em que deva iniciar sua vigência e nos dois seguintes, atender ao disposto na lei de diretrizes orçamentárias e a pelo menos uma das seguintes condições:
I - demonstração pelo proponente de que a renúncia foi considerada na estimativa de receita da lei orçamentária, na forma do Art. 12, e de que não afetará as metas de resultados fiscais previstas no anexo próprio da Lei de Diretrizes Orçamentárias;
II - estar acompanhada de medidas de compensação, no período mencionado no caput, por meio do aumento de receita, proveniente da elevação de alíquotas, ampliação da base de cálculo, majoração ou criação de tributo ou contribuição".
O placar está em cinco a zero a favor da liminar: já seguiram Zanin os ministros Flávio Dino, Luís Roberto Barroso, Gilmar Mendes e Edson Fachin. Luíz Fux pediu vista. Tem até 90 dias para devolver seu voto. Enquanto não acontece, vale a decisão do relator.
O texto foi aprovado pelo Congresso depois de embate com o governo: Lula vetou a desoneração, e seu veto foi derrubado. E, no entanto, as desonerações seguem escancaradamente inconstitucionais (Art. 113) e ilegais (Artigo 14 da Lei Complementar 101.
OS "DESARGUMENTOS" DE RODRIGO PACHECO
Rodrigo Pacheco (PSD-MG), presidente do Senado, ficou furioso. Recorreu ao próprio Zanin, pedindo revisão da decisão. Ou não leu o que escreveu o ministro ou fingiu não ter entendido. Diz o magistrado que a decisão vale 'enquanto não sobrevier demonstração do cumprimento do que estabelecido no art. 113 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (com a oportunidade do necessário diálogo institucional) ou até o ulterior e definitivo julgamento do mérito da presente ação pelo Supremo Tribunal Federal, conforme o caso'."
Sei lá se governo e Congresso buscarão alguma forma de entendimento. Fato é que o Parlamento ignorou lei e Constituição. Na sexta, Pacheco disse a seguinte pérola:
"A Ação Direta de Inconstitucionalidade da Advocacia Geral da União se assenta numa premissa: a premissa de que a desoneração da folha de pagamento tanto dos 17 setores quanto dos municípios não teria cumprido o Artigo 113 do ato das Disposições Constitucionais Transitórias, que exige que proposições legislativas que criem despesas ou alterem despesas ou que renunciem a receitas tenham a estimativa do impacto financeiro e orçamentário, eu afirmo, como presidente do Senado, que essa premissa não é verdadeira. (...) Agora, se se exige a demonstração de onde se vai ter o recurso para esses R$ 10 bi para os municípios, está aqui demonstrado: 80 bi só nos três primeiros meses, de aumento de arrecadação em função do trabalho do Congresso Nacional. Tivéssemos nós, quando votamos Carf, apostas esportivas, offshores, fundos exclusivos, subvenções de ICMS e arcabouço fiscal, identificado que era necessário escrever isso em cada um desses projetos, nós teríamos escrito; não teria problema nenhum de vincular qualquer tipo de receita dessa natureza para poder socorrer os municípios do Brasil".
É o argumento de quem não tem argumento. Observem que ele lista os projetos patrocinados pelo governo, que foram aprovados pelo Congresso, para recomposição de receitas. Ora, se iniciativas dessa natureza tornassem sem efeito o Artigo 113 da Constituição e a Lei de Responsabilidade Fiscal, convenham: a cada vez que se aprovasse uma medida para corrigir uma distorção ou para evitar sonegação, em vez de conseguir receita, estar-se-ia atentando contra o caixa ou com despesas novas ou com renúncias. A propósito: é com base nesse mesmo fundamento que o senador quer aprovar o quinquênio para juízes e promotores, com um impacto de até R$ 40 bilhões?
Ademais, Pacheco trata as matérias aprovadas pelo Congresso como se fossem concessões ao governo federal. Não são. A menos que ele considerasse justos o regime indecente que vigorava no Carf; o despropósito da isenção de IR para fundos exclusivos e offshores; a sonegação nas tais apostas esportivas e a malandragem com as subvenções de ICMS, que serviam para fazer caixa e não para investir, assaltando o cofre dos Estados e da União.
Tenho afirmado neste espaço e em todo canto: a responsabilidade fiscal não é tarefa só do governo Federal. Tanto o ministro Fernando Haddad (Fazenda) como Geraldo Alckmin, vice-presidente, afirmam o mesmo.
CONCLUO
Pacheco ainda vociferou que é preciso cortar gastos, entrando no coro da turma que repete essa cantilena como um mantra, sem nunca dizer onde cortar.
Esperamos a sua proposta. Cortar de onde? Proponham o debate para a sociedade. Vamos ver se os pobres topam.
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OLHAR APURADO
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Quero receberPacheco ainda criticou a Advocacia Geral da União por ter recorrido ao Supremo. É raro ver um advogado a demonizar o execício regular do direito. Se, diante de uma ilegalidade aprovada pelo Congresso, o Executivo deve abrir mão de recorrer ao Judiciário, então de tem um Legislativo com um Poder absoluto. É isso?
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