Advogada de foragido não torna Marco Aurélio nem impedido nem suspeito
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Como se barulho muito fosse bobagem e coisa pouca, vem a público outra informação para botar ainda mais lenha na fogueira destinada às bruxas... O conjunto está mais para uma cena de "A Vida de Brian", de Monty Python, do que propriamente para rituais de purificação, anda que boçais. Mas vá lá. Informa a Folha o que segue. Volto em seguida.
A advogada responsável pelo pedido de soltura do líder do PCC André de Oliveira Macedo, 43, conhecido como André do Rap, é sócia do escritório de um ex-assessor do ministro Marco Aurélio Mello, do STF (Supremo Tribunal Federal). No sábado (10), André do Rap foi solto após uma decisão de Marco Aurélio. O presidente da corte, Luiz Fux, revogou a liminar no mesmo dia. O traficante é considerado foragido.
Ana Luísa Gonçalves Rocha assina sozinha o habeas corpus que conseguiu a liberdade para o traficante. Ela é a única sócia de Eduardo Ubaldo Barbosa, no escritório Ubaldo Barbosa Advogados, em Brasília. A informação foi divulgada pela revista Crusoé e confirmada pela Folha. À reportagem o ministro afirmou não haver motivo para suspeição ou impedimento para julgar o caso.
Barbosa trabalhou no gabinete do ministro até o dia 17 de fevereiro deste ano. Em dezembro, ele recebeu um salário bruto de R$ 13,8 mil e, no mês seguinte, R$ 20,3 mil, por razão de gratificações natalinas. De acordo com o site da Receita Federal, o escritório foi aberto no dia 9 de março deste ano. O endereço fica em uma sala comercial na Asa Norte do Plano Piloto, na capital federal.
Ubaldo e Ana Luísa não responderam aos contatos da reportagem. Marco Aurélio disse que o advogado Eduardo Ubaldo Barbosa nunca foi seu amigo íntimo. "Eu jamais frequentei a casa dele, e ele, a minha. E o código [de Processo Penal] só impede o juiz de atuar se houver um parentesco até o terceiro grau, tio ou sobrinho, ou amizade íntima", disse o ministro à Folha.
(...)
RETOMO
O Código de Processo Penal trata das hipóteses de impedimento e suspeição do juiz entre os Artigos 252 e 256. Reproduzo.
Art. 252. O juiz não poderá exercer jurisdição no processo em que:
I - tiver funcionado seu cônjuge ou parente, consangüíneo ou afim, em linha reta ou colateral até o terceiro grau, inclusive, como defensor ou advogado, órgão do Ministério Público, autoridade policial, auxiliar da justiça ou perito;
II - ele próprio houver desempenhado qualquer dessas funções ou servido como testemunha;
III - tiver funcionado como juiz de outra instância, pronunciando-se, de fato ou de direito, sobre a questão;
IV - ele próprio ou seu cônjuge ou parente, consangüíneo ou afim em linha reta ou colateral até o terceiro grau, inclusive, for parte ou diretamente interessado no feito.
Art. 253. Nos juízos coletivos, não poderão servir no mesmo processo os juízes que forem entre si parentes, consangüíneos ou afins, em linha reta ou colateral até o terceiro grau, inclusive.
Art. 254. O juiz dar-se-á por suspeito, e, se não o fizer, poderá ser recusado por qualquer das partes:
I - se for amigo íntimo ou inimigo capital de qualquer deles;
II - se ele, seu cônjuge, ascendente ou descendente, estiver respondendo a processo por fato análogo, sobre cujo caráter criminoso haja controvérsia;
III - se ele, seu cônjuge, ou parente, consanguíneo, ou afim, até o terceiro grau, inclusive, sustentar demanda ou responder a processo que tenha de ser julgado por qualquer das partes;
IV - se tiver aconselhado qualquer das partes;
V - se for credor ou devedor, tutor ou curador, de qualquer das partes;
Vl - se for sócio, acionista ou administrador de sociedade interessada no processo.
Art. 255. O impedimento ou suspeição decorrente de parentesco por afinidade cessará pela dissolução do casamento que Ihe tiver dado causa, salvo sobrevindo descendentes; mas, ainda que dissolvido o casamento sem descendentes, não funcionará como juiz o sogro, o padrasto, o cunhado, o genro ou enteado de quem for parte no processo.
Art. 256. A suspeição não poderá ser declarada nem reconhecida, quando a parte injuriar o juiz ou de propósito der motivo para criá-la.
RETOMO
É evidente que inexiste causa de impedimento ou razão para Marco Aurélio se declarar suspeito. Em Brasília, se juiz declinar de julgar casos de advogados com os quais tenha tido algum relacionamento, os processos nunca sairão do lugar.
De resto, por óbvio, tivesse o ministro negado o habeas corpus, a questão nem teria sido notícia. Nem impedido nem suspeito. Até porque ele já concedeu outros habeas corpus polêmicos em casos em que não havia advogado de suas relações profissionais pregressas. Já vimos ex-ministros do Supremo a atuar na corte como advogados — muitas vezes, tinham como julgadores ex-colegas de toga.
Essa linha de argumentação não dá em nada, mas, claro!, ajuda a alimentar teorias conspiratórias e serve ao propósito de tentar jogar um pouco mais de pedras no tribunal.
Ocupo-me de outra coisa: uma decisão destrambelhada está servindo para achincalhar um dispositivo legal que é uma garantia das democracias civilizadas. O Estado não pode reivindicar o direito de manter presas pessoas indefinidamente sob o pretexto de fazer justiça.
"Mas e o André do Rap"? Tinha de estar preso com base no Artigo 312 do Código de Processo Penal. E isso não quer dizer que MP e juízes devam fazer de conta que inexiste o Parágrafo Único do Artigo 316.