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Reinaldo Azevedo

Lava Jato para doleiro: "Quando a gente gosta, é claro que a gente cuida"

O doleiro Dario Messer e o procurador regional Januário Paludo: ambos são personagens de uma história que é, para dizer pouco, insólita... - Reprodução
O doleiro Dario Messer e o procurador regional Januário Paludo: ambos são personagens de uma história que é, para dizer pouco, insólita... Imagem: Reprodução

Colunista do UOL

23/11/2020 23h25

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Vamos ver. Fica até difícil explicar a lambança. Mas o caso sintetiza em que se transformaram o Ministério Público Federal, a Lava Jato e o lavajatismo. Síntese das sínteses: o criminoso reconhece o crime, mas o juiz o absolve. Parece contraditório? Esmiuçando o caso, quem fica em situação estranha na fita é mesmo o MPF-RJ, embora o juiz não estivesse de toga amarrada.

Nada muito estranho no Brasil. Se um juiz pode condenar alguém sem provas, e essa condenação é referendada por instâncias superiores, por que um criminoso confesso não pode ser absolvido? Os dois casos encontram explicação na lambança processual: num caso, para condenar. No outro, para absolver. Anotem: o devido processo legal foi destruído no país.

O condenado sem provas, todos sabem, é Lula. O autor da sentença original é o agora candidato a modelo e artista Sergio Moro. Ele também postula a Presidência da República, depois de ter saltado da 13ª Vara Federal de Curitiba para a Vara do Palácio do Planalto. Foi banido de lá a varadas pelo chefe, depois de servi-lo com denodo, mas de olho em sua cadeira.

O réu confesso e absolvido é Dario Messer, que já foi chamado de "doleiro dos doleiros". É aquele senhor sobre quem se escreveu uma das histórias de ficção da Lava Jato: a tal delação que devolveria R$ 1 bilhão aos cofres públicos. Mentira. Papo furado! Seus bens no Brasil e no Paraguai estavam bloqueados. Se e quando tudo virar moeda sonante, haverá a devolução. Como a maior parte está no Paraguai, será preciso combinar com os russos paraguaios. A imprensa caiu como pata. Ele entregou uma lista de pessoas à Lava Jato do Rio. Estava duro. Liberaram R$ 50 milhões. O ex-bilionário virou novo milionário. "Not bad..."

Na delação, não custa lembrar, Messer afirmou — e isto também foi captado pela PF num grampo em que falava com a namorada — que pagava propina mensal de R$ 50 mil para o decano da Lava Jato e mestre de Deltan Dallagnol, o procurador regional Januário Paludo. O caso foi enviado ao braço da operação na PGR e foi sumariamente descartado. Se houve investigação, ninguém conhece. Reitero: há um grampo em que o doleiro fala da suposta propina. E, como se diz nesses ambientes, "de maneira voluntária e consciente", ele reafirmou o pagamento em delação. Procuradores, tudo indica, estão acima de qualquer suspeita ou delação.

Agora vamos ao caso da absolvição no caso do crime confesso. Informa o UOL:
No último dia 11, a Justiça Federal do Rio de Janeiro absolveu o doleiro Dario Messer por crimes que ele mesmo confessou ter cometido, em delação premiada acessada pelo UOL e divulgada em agosto pelo portal. O doleiro foi julgado pelo juiz federal Carlos Adriano Miranda Bandeira, da 4ª Vara Federal do Rio. Messer havia sido denunciado por lavagem de dinheiro, evasão e associação criminosa, crimes investigados na operação Sexta-Feira 13, de 2009.
Em junho deste ano, o doleiro confessou à Lava Jato do Rio, em delação, que cometeu esses crimes. "Os fatos imputados na operação Sexta-Feira 13 em relação ao colaborador [Messer] são verdadeiros", informa o anexo 1 do acordo de colaboração firmado com o MPF-RJ (Ministério Público Federal do Rio de Janeiro) e a PF (Polícia Federal).

Mas como aconteceu? Um advogado explicou ao UOL:
"O juiz não tinha como decidir citando uma delação se ela não tinha sido incluída na ação penal", resumiu um advogado que não quis se identificar. Os mesmos juristas veem falha do MPF-RJ ao não levar a confissão de Messer ao processo. "É obrigação da Procuradoria avisar o juiz que obteve uma informação nova e relevante."

Estamos, ou alguém tem algum juízo alternativo?, diante de um caso escandaloso de omissão do Ministério Público Federal. Por quê? Com que propósito? Vige no Brasil o sistema acusatório. E o órgão acusador é o Ministério Público. Nada impedia, é fato, o juiz de reivindicar de ofício os dados sobre a delação, mas o questionamento faz sentido partindo-se da premissa de que ele os conhecia. Uma coisa é certa, o magistrado não teria como ignorar a confissão feita em delação se ela estivesse anexada aos autos.

E não estava. O MPF-RJ não quis se manifestar, alegando que o processo está em sigilo, o que é falso. A Operação Sexta-Feira 13 não estava no escopo das delações. Se condenado, Messer teria de cumprir a pena.

Os fatos parecem sugerir que a Lava Jato não quer mesmo confusão com o doleiro que foi grampeado dizendo que pagava propina a um graúdo da força-tarefa, o que reiterou na delação. Nunca antes na história deste país um delator foi tão bem tratado.

Como poetizou o cantor Peninha, "quando a gente gosta, é claro que a gente cuida".

Sergio Moro agora tem um empresário. É o mesmo de Roberto Carlos. Não esqueça de reservar o seu lugar na palestra. Sugiro um tema: "Como condenar sem provas e influenciar a imprensa". Vai ser um sucesso.

Ao fim, haverá farta distribuição de botões de rosa.

Resta à Globo responder se será com ele o show de fim de ano. Ou se ele continuará a dar plantão apenas no Jornal Nacional.

PS: Ou bem o Conselho Nacional do Ministério Público se interessa por esse caso ou bem passa a se dedicar à astrologia e outras artes divinatórias.