Acordo MPF-Transparência cria um país independente com dinheiro público
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Caros, é preciso ler, para crer, o apêndice do entendimento entre os procuradores e a Transparência Internacional. O Inciso VIII do Parágrafo 1º do Item I, por exemplo, diz que se vai buscar, "em relação a seus instituidores e mantenedores, ou mesmo em relação a grupos ou pessoas ligadas à política partidária", "um desenho institucional que leve em consideração a autonomia jurídica, administrativa, financeira, institucional e programática da entidade a ser construída com a finalidade específica de veicular o investimento social."
Isso não é uma entidade, mas um país.
Na nota em que anuncia os processos, a TI destaca que não será remunerada pelo trabalho. Sim, isso consta do apêndice. E daí? Quem lhe deu competência, direito ou exclusividade para, na prática, gerir recursos do povo brasileiro? A TI é uma ONG ocupada em combater a corrupção, uma desenvolvedora de startups sociais ou ente paraestatal ligada a frações do MPF?
Há lá outras curiosidades estupefacientes. A TI também fica encarregada de avaliar "a viabilidade de outros mecanismos de captação de recursos, além dos previstos no acordo, como, por exemplo, a abertura de instituto para o recebimento de doações privadas nacionais ou internacionais, além de outras formas de autossustentação já praticadas por entidades da sociedade civil de modo a buscar a perenidade do investimento".
Mas que diabo de investimento é esse? O dinheiro será usado em quê? Como pode uma entidade privada ter tal discricionariedade para lidar com um dinheiro que pertence ao Estado brasileiro? A TI diz que eu a caluniei. Qual é a calúnia? Qual é o crime de que estou acusando a organização? Relato aqui algo bem mais grave, do ponto de vista político, e que não é um tipo penal que aparece no Código. Estamos diante de uma privatização dos recursos públicos em nome, claro!, das ações sociais. Ainda que isso não reverta em benefício da TI ou de seus diretores. Mas isso é algo a ser visto, não é? Quem está no lugar errado se submete a um escrutínio que pode não ser do seu agrado.
Poderia ser até um falha moral involuntária, própria de quem não sabe que está a transgredir regras do Estado democrático e de direito em sua ânsia de fazer o bem... Assim seria não fosse o fato de que os termos do tal apêndice se encarregam de deixar claro que a "entidade a ser criada" pretende declarar a sua autonomia absoluta, usando para isso recursos públicos.
ONGs como a TI costumam contar com a simpatia de esquerdistas e dos "progressistas" em geral, embora, entre nós, esta atue em estrita parceria com um grupo que, por atos e palavras, serviu e serve à extrema direita. É que seu marketing tem apelo inequívoco: transparência, combate à corrupção, honestidade.
Há outras coisas curiosas na parceria celebrada: o MPF e a TI não estabelecem foro nenhum para eventuais controvérsias entre as partes. O pressuposto é o de que elas jamais existirão e que tudo sempre será decidido na forma de um acordo, com a TI se eximindo de qualquer responsabilidade decorrente do seu, digamos, aconselhamento.
Ou por outra: celebrou-se uma parceria que não aceita, por princípio, nem a arbitragem da Justiça. Não deixa de ser curioso que a TI queira me processar. Parece não estar acostumada à crítica transparente. Fazer o quê?