Coquetel de drogas no Ministério da Saúde: omissão, incompetência, golpismo
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Poucos se lembram. No dia 24 de maio do ano passado, o general da ativa Eduardo Pazuello, que havia assumido interinamente o Ministério da Saúde no dia 15 daquele mês, com a demissão de Nelson Teich, participou de uma manifestação golpista em Brasília. Àquela altura, já havia metido outros nove militares na cúpula da pasta! Volto ao ponto daqui a pouco.
Pazuello, que continua na ativa, é agora alvo de inquérito criminal aberto pela Polícia Federal, a pedido do procurador-geral da República, Augusto Aras. O procedimento foi autorizado nesta segunda-feira pelo ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo. Não sei até quando o Exército se submeterá a esse ritual de humilhação que lhe impõe Jair Bolsonaro, um capitão da reserva que foi chutado da Força, na prática, por indisciplina.
Bem que Aras tentou olhar para o outro lado desde quando este senhor chegou ao ministério. Mas foi impossível. Quando os doentes do Amazonas começaram a morrer sufocados, não deu mais para ignorar os desastres de que é capaz de produzir este suposto especialista em logística.
A causa da investigação é a suspeita de negligência no caso da falta de oxigênio. O Ministério da Saúde foi alertado e demorou para reagir. Mas é bom notar: há uma cadeia de eventos que parecem apontar para omissão e ações criminosas.
Pazuello recebeu uma oferta da Pfizer para a compra de vacinas. Deu de ombros. Quando o caso veio a público, a desculpa não poderia ter sido mais patética: alegou-se que se ofertava um número de vacinas insuficiente para imunizar a população — o que deixaria muita gente insatisfeita.
Vê-se, assim, que a ignorância de causa se junta à desídia. Não houve como a PGR ignorar o que estava em curso. Pazuello há muito merece ser investigado. E não apenas pela polícia. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), está certo quando defende uma CPI para apurar a atuação destrambelhada do ministério.
Num Amazonas que morria sufocado, Pazuello fez proselitismo em favor do coquetel picareta de drogas que o governo chama "tratamento precoce". Sua pasta pôs no ar o aplicativo criminoso TrateCov, que, invariavelmente, recomendava cloroquina, ivermectina e azitromicina, pouco importando quais fossem os sintomas reportados e a idade do paciente.
Cumpre lembrar que o general Pazuello só é ministro da Saúde porque ele se dispôs a transformar em política pública — e, pois, em instrumentos de propagação da doença — as ignorâncias e o negacionismo do seu chefe. Alguém assistiu a alguma campanha no Ministério da Saúde em favor do uso de máscaras e do distanciamento social?
O presidente Jair Bolsonaro já cometeu 23 crimes de responsabilidade. Os mais graves estão ligados à sua atuação no combate ao coronavírus e ao apoio que deu a atos golpistas. E, agora voltamos ao começo.
Sim, o omisso general Pazuello marchou no protesto do dia 24 de maio em favor do fechamento do Congresso e do Supremo. Em plena pandemia. Assim, o ministro da Saúde não é apenas incompetente para o cargo que ocupa. Ele também participou de uma manifestação golpista.
E, no entanto, segue ministro da Saúde — impune — e general da ativa. Alguns militares se zangam quando alguém se digna a dizer o óbvio: é evidente que a conta final da pandemia vai pesar também sobre os ombros das Forças Armadas. E com justiça.
A OBRA DE PAZUELLO EM NÚMEROS
Naquele 24 de maio, quando o Sargento Garcia disfarçado de general Pazuello marchava, os mortos por Covid-19 eram 22.746, e se contavam 365.213 casos de contaminação.
Nesta segunda, quando Lewandowski autorizou a Polícia Federal a investigar o ministro, os óbitos haviam se multiplicado quase 10 vezes — 217.712 —, e os contaminados, mais de 24 vezes: 8.872.964.
Como se nota, o general consegue produzir indisciplina, obscurantismo e caos — além de já ter demonstrado apreço por manifestações golpistas.
Nunca se experimentou esse coquetel drogas políticas no Ministério da Saúde.
O resultado se mede em mortos.
Correção: o protesto de que participou o general aconteceu em 24/5, e não em 25/5, conforme apontava o texto em um dos parágrafos.