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Reinaldo Azevedo

ANÁLISE

Texto baseado no relato de acontecimentos, mas contextualizado a partir do conhecimento do jornalista sobre o tema; pode incluir interpretações do jornalista sobre os fatos.

A decisão do STJ sobre Flávio reacendeu o discurso golpista de Bolsonaro

Ao lado da mulher, Michelle, Bolsonaro discursa para apoiadores e volta a ameaçar com golpe de Estado - Reprodução/Yiutube
Ao lado da mulher, Michelle, Bolsonaro discursa para apoiadores e volta a ameaçar com golpe de Estado Imagem: Reprodução/Yiutube

Colunista do UOL

22/03/2021 05h24

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O presidente Jair Bolsonaro, no aniversário dos seus 66 anos, voltou, neste domingo, a provocar aglomeração e a ameaçar o país com um golpe de Estado (vídeo ao fim do artigo). Falava a seus admiradores, aquela gente que se reúne às portas do Palácio da Alvorada. A propósito: o jornalismo investigativo nos deve uma, né? Quem são essas pessoas, de onde vêm, quem sustenta a viagem, pagam hospedagem como? Não é preciso muita imaginação para supor que há caroço nesse angu. Já volto à sua fala. Antes, algumas considerações.

Repararam que temos um padrão? Explico. Bolsonaro tem quatro filhos sob investigação — até Jair Renan, o que ainda não foi eleito para nada. A situação mais delicada era a do senador Flávio Bolsonaro. O STJ, como se sabe, anulou a quebra de sigilo que resultou no processo que o atormentava. E pronto! No dia seguinte, o pai negacionista e ensandecido voltou a fazer discurso golpista.

Ao longo de 2019, com a oposição zonza com o resultado da eleição e sem nenhuma resistência organizada no parlamento, o presidente apoiou atos contra o Congresso e o Supremo. E sua retórica foi se tornando mais virulenta (!) ao longo de 2020. Até a prisão de Fabrício Queiroz. Aí ele amansou.

Quando o coronavírus deu as caras no Brasil, Bolsonaro já estava no modo negacionista. Aliás, o avião que trouxe sua comitiva dos EUA era um verdadeiro depositário do corona. Até o STJ não livrar a cara de Flávio, dizia coisas estúpidas sobre o patógeno e a doença, mas evitava o discurso golpista.

Bastou que a punição ao filho se tornasse mais distante e pronto! Eis o homem de volta. Este é, pois, o padrão. Se um dos seus se enrosca com a Justiça, ele amansa a retórica. Se acha que está por cima da carne seca, então discursa como valentão.

GOLPISTA FALA EM DEMOCRACIA
A exemplo de todo golpista, ele também discursa em nome da liberdade. Ou vocês já viram algum fascistoide que defende um ato de força revelar quais são as suas reais intenções, a dizer algo como: "Queremos pôr fim à democracia para poder eliminar nossos inimigos e nos eternizar no poder"? É claro que não!

Assim, afirmou Bolsonaro:
"Alguns tiranetes ou tiranos tolhem a liberdade de muitos de vocês. Pode ter certeza, o nosso Exército é o verde oliva e é vocês também. Contem com as Forças Armadas pela democracia e pela liberdade"

E ainda:
"Estão esticando a corda, faço qualquer coisa pelo meu povo. Esse qualquer coisa é o que está na nossa Constituição, nossa democracia e nosso direito de ir e vir".

Só para ilustrar, convém lembrar o primeiro parágrafo do preâmbulo do Ato Institucional nº 5, que impôs o regime de terror no Brasil. Prestem atenção:
"CONSIDERANDO que a Revolução Brasileira de 31 de março de 1964 teve, conforme decorre dos Atos com os quais se institucionalizou,
fundamentos e propósitos que visavam a dar ao País um regime que, atendendo às exigências de um sistema jurídico e político, assegurasse autêntica ordem democrática, baseada na liberdade, no respeito à dignidade da pessoa humana, no combate à subversão e às ideologias contrárias às tradições de nosso povo, na luta contra a corrupção, buscando, deste modo, os meios indispensáveis à obra de reconstrução econômica, financeira, política e moral do Brasil, de maneira a poder enfrentar, de modo direito e imediato, os graves e urgentes problemas de que depende a restauração da ordem interna e do prestígio internacional da nossa pátria" (Preâmbulo do Ato Institucional nº 1, de 9 de abril de 1964);

Viram? Até um signatário do AI-5, como Jarbas Passarinho, chamava aquilo pelo nome: "ditadura". Mas, como se vê ali, o ato foi baixado para assegurar a "autêntica democracia, baseada na liberdade". Como Bolsonaro diz querer fazer.

NO PIOR MOMENTO
Vivemos o pior momento da pandemia. Temos ainda dois ministros na Saúde e, na prática, nenhum. Brasileiros morrem aos milhares, e não há a menor evidência de convulsão social, o que parece deixar inconformado o presidente. Sua fala é claramente destinada a seus seguidores, que ele incita contra os governadores e prefeitos. Não é exagero inferir que está apostando na confusão para ver se consegue se impor pela força.

MAS É GOLPISMO?
É evidente que sim. Bolsonaro só disporia de duas medidas que ensejariam a intervenção: os estados de defesa e de sítio, Artigos, respectivamente, 136 e 137 da Constituição. Ocorre que não há conflagração nas ruas. Não é por falta de estímulo oriundo do presidente...

Ocorre que, nos dois casos, ele precisaria de autorização do Congresso, o que, é evidente, não obteria. E pronto! Não há outra forma de intervenção com o "Exército verde-oliva". Assim, quando vocifera aquelas coisas estúpidas, está mesmo falando sobre golpe de Estado.

ELE VAI CONTINUAR
Esse vociferar de Bolsonaro é um sinal de seu isolamento e de sua impotência. Na prática, governadores, Congresso e Supremo se encarregam de tarefas que seriam da União.

Se não obtiver um sinal claro, inclusive dos comandantes do Congresso, de que está no caminho errado, seguirá com suas falas tresloucadas. Por óbvio, o Supremo não vai lhe dar o que espera — o poder para obstar medidas de restrição de circulação impostas por governadores e prefeitos —, uma vez que ele já deixou claro que, a depender de sua vontade, não haverá limitação nenhuma.

Como alerta a Carta Aberta assinada por banqueiros, economistas e empresários, o quadro da pandemia ainda vai se agravar. E, como é evidente, as ameaças que ele vem fazendo têm como referência a decisão do tribunal.

CONCLUO
"Brasil acima de tudo, Deus acima de todos, eu e meus filhos acima do Brasil e de Deus". Esse é o verdadeiro e oculto lema do seu governo. Só o medo da cadeia intimida Bolsonaro. Para ele próprio ou para alguns dos seus rebentos. Sem isso, ele incita o conflito porque tem a certeza de que pode contar com o "meu (seu) Exército".

Se acredito em golpe? Obviamente, não! Mas acredito que pode haver ainda mais bagunça. É o que ele está procurando se não for parado pelas circunstâncias.