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Reinaldo Azevedo

ANÁLISE

Texto baseado no relato de acontecimentos, mas contextualizado a partir do conhecimento do jornalista sobre o tema; pode incluir interpretações do jornalista sobre os fatos.

Golpismo com incentivo oficial é desesperado e inócuo; eles têm medo da CPI

Eduardo Pazuello no ato golpista do dia 24 de maio do ano passado, oito dias depois de assumir interinamente a Saúde. Com toda essa valentia em favor do vírus, foi efetivado no cargo - Reprodução/G!
Eduardo Pazuello no ato golpista do dia 24 de maio do ano passado, oito dias depois de assumir interinamente a Saúde. Com toda essa valentia em favor do vírus, foi efetivado no cargo Imagem: Reprodução/G!

Colunista do UOL

03/05/2021 07h26

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O golpismo que saiu às ruas — convocado, de modo oblíquo, pelo governo — é evidência de desespero. A convocação pode ter sido oblíqua, mas não o apoio aos atos quando em curso. O deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) — o, por alcunha, "Dudu Bananinha"— foi à manifestação em Brasília e posou para fotos ao lado dos tiozões e das tiazonas da intervenção. O presidente Jair Bolsonaro sobrevoou a incitação putchista em companhia do general Augusto Heleno, chefe do GSI. Eis aí: aquele que responde pela segurança institucional saúda, em companhia do chefe, os que pregam o rompimento da ordem institucional. Convenham: isso define o governo. Sim, tudo isso é medo. E, em pânico, a turma tenta intimidar a CPI.

Na terça, depõem os ministros da Saúde Luiz Henrique Mandetta, que postula uma candidatura à Presidência da República — e nada há de errado nisso — e Nelson Teich, que, até onde se sabe, só postula que esqueçam o seu mau passo. Ficou menos de um mês à frente da pasta e caiu fora. Na quarta, será a vez do general Eduardo Pazuello, que, tudo indica, postula mesmo é um lugar na cadeia.

O que vai fazer o ainda militar da ativa? Comportar-se como o zagueirão de Jair? Seu corpanzil — que desfilou num shopping em Manaus, sem máscara — e sua pança garbosa podem não ser fortes o bastante para suportar o peso dos desatinos. Não há dúvida de que tinha seu próprio campo de arbitragem, mas a frase dita no dia 22 de outubro do ano passado ressoa: "Um manda, e o outro obedece". Sem um capitão para chamar de seu, o que pode um general, não é mesmo?

Quando os senhores senadores estiverem inquirindo Pazuello, convém que se lembrem da obra conjunta do general e de seu superior, o capitão. Ao assumir a pasta, no dia 16 de maio — primeiro, interinamente; depois, para valer —, os mortos por covid-19 no Brasil eram 15.662. Quando deixou a Saúde, pouco mais de 10 meses depois, havia 298.843 óbitos. Na gestão do valente, as ocorrências fatais cresceram 1.808%. Dito de outro modo: multiplicaram-se por mais de 19. Trata-se, claro!, da maior tragédia havida no país. E sabemos que estamos longe do fim.

"Ah, mas é injusto evocar a responsabilidade do então ministro e do presidente..."

É? Só porque o Ministério da Saúde deu de ombros para a oferta de vacinas que fez a Pfizer? Promoveu e distribuiu o kit cloroquina? Criou um aplicativo picareta para que as pessoas reportassem sintomas que recomendava, invariavelmente, o mesmo coquetel, pouco importando a queixa ou a idade dos possíveis pacientes? Permitiu o colapso de oxigênio em Manaus, que depois varreu o país? Deixou faltar remédios para intubação? Jamais fez uma campanha de esclarecimento sobre modos de contágio? Foi omisso até mesmo sobre o uso de máscaras? Tentou sabotar a CoronaVac — que responde por mais de 70% das vacinas aplicadas no país?

Não há como Pazuello se livrar de suas responsabilidades. Não lhe resta nem mesmo o argumento da "obediência devida". Embora general da ativa, estava exercendo um cargo no governo federal e sempre contou, entre as alternativas, com o pedido de demissão, o que ele, como se sabe, não fez.

ANDERSON TORRES
O delegado Anderson Torres, ministro da Justiça, tem de explicar. Como sabem, informei ainda na noite de sexta a disposição do senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) para a convocação, com o que concorda o relator, Renan Calheiros (MDB-AL). O vice-presidente da CPI protocolou o pedido de convocação no domingo.

Em entrevista à VEJA, o ministro sugere que vai mobilizar a Polícia Federal para municiar o governismo na CPI. Já escrevi a respeito. O departamento serve ao Estado brasileiro, não ao governo. A trajetória de Paulo Maiurino, diretor-geral da PF, não sugere tolerância com esse tipo de investida. Mas sabemos que pode haver bolsões infensos a uma orientação profissional e técnica. Delegados são, em larga medida, autônomos. Têm o comando da investigação.

Ninguém precisa intuir que Bolsonaro quer uma PF subordinada a seus interesses. Na malfadada reunião ministerial de 22 de abril de 2020, isso foi vocalizado sem ambiguidades. O fato de ele não poder sambar na sala do diretor-geral, infelizmente, não é garantia da necessária isenção do órgão se houver outros profissionais dispostos ao servilismo. É preciso ficar vigilante.

Há o risco, então, de a autonomia ser maculada em favor do governo? As palavras do ministro da Justiça parecem apontar para isso. A sua convocação, dado o quadro de desespero do governo, está entre as mais importantes.

Não podemos ter o "Pazuello da Justiça".

Atentar contra as instituições do regime democrático é tão nefasto como atentar contra a vida das pessoas.