Texto baseado no relato de acontecimentos, mas contextualizado a partir do conhecimento do jornalista sobre o tema; pode incluir interpretações do jornalista sobre os fatos.
Cunha vai ter acesso à Spoofing? É o certo, ainda que se chamasse Raimundo
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Como? Ricardo Lewandowski, ministro do STF, autorizou o ex-deputado Eduardo Cunha a ter acesso a mensagens hackeadas da Operação Spoofing? Fez muito bem. Cunha, como revelou recentemente, converteu-se ao bolsonarismo para surpresa de ninguém. A questão não é ideológica. As mensagens, de resto, não servirão para incriminar os procuradores, mas para, eventualmente, beneficiar réus. É como deve ser na democracia.
Ah, sim: o hackeamento foi ilegal, mas a apreensão do material pela Spoofing não. Aliás, a dita operação foi, na prática, desfechada pelo então ministro da Justiça, Sergio Moro. O próprio material da Vaza Jato, sem nenhuma evidência de fraude, deveria servir para instruir tribunais desde que, repita-se, para uso da defesa.
Pouco me importa, nesse caso, quem é Cunha. Não tenho simpatia nenhuma por ele. Ao contrário. Rejeito seu modo de fazer política. Mas não concedo ao Estado a licença para praticar crimes em nome do combate ao crime. Os que foram flagrados em conversas impróprias sabem muito bem que não há adulteração nenhuma no material. Bastaria que tivessem cedido seus telefones, então, para facilitar a verificação. Mas, experientes na arte do esconde-esconde, não entregaram os telefones para inspeção.
Têm de ter acesso ao material que lhes diz respeito todas as pessoas que foram objetos ou alvos das conversas impróprias. O país não pode repetir os desastres a que se assistiram na Operação Lava Jato e que nos conduziram a essa barafunda que aí está. A origem dos nossos males está no ataque sistemático ao devido processo legal. Não sei se Cunha vai se beneficiar desse acesso. Se acontecer, a responsabilidade será de quem se desbordou da lei.
De novo: o Estado que reprime o crime não pode ser criminoso, seja ao entrar numa favela, seja ao caçar e cassar pessoas acusadas de corrupção. O ministro Edson Fachin, por exemplo, parece entender a primeira afirmação, mas se mostrou, ao longo do tempo, refratário à segunda. E, como direi, ministro, para que o senhor entenda? A polícia truculenta não nos legou Jair Bolsonaro como herança, mas a Lava Jato, sim. A polícia truculenta, ministro, encontrou no governo que aí está o ambiente ideal para bater em preto e pobre.
Se Fachin e outros ainda não compreenderam, tento de outro modo: a agressão ao devido processo legal abre as portas para o vale-tudo. E o vale-tudo fatalmente fará vítimas também e principalmente entre os desvalidos.
Ademais, quando até é alvo de decisões autoritárias e ilegais, então é porque estamos no mau caminho no combate à corrupção. Lamento ter de escrever assim, mas é fato: seu afastamento da Presidência da Câmara, decidido daquele modo pelo Supremo, foi ilegal. Como ilegal foi o afastamento de Wilson Witzel quando decidido pelo STJ. Só posteriormente a decisão foi, por outros meios, legalizada. A prisão preventiva sem prazo em que foi mantido o ex-deputado é a cereja no bolo de um conjunto de práticas que destrói o devido processo legal sem, no entanto, fazer justiça.
Há muita coisa a corrigir, sim! Nem se tocou nelas ainda. A Lei 12.850 convida, infelizmente, a delações fraudulentas. O fato de a Polícia Federa poder delações, decisão tomada pelo Supremo, virou outra frente de desatinos. Há mais: a licença, que não está na Constituição, para o Ministério Público atuar como Polícia é outro despropósito. Há um monte de coisas fora do lugar. Que se arrumem as que podem ser arrumadas. E o por fazer ainda está... por fazer!!! Que se faça quando possível.
"Ah, está defendendo corrupto..." Não dou a menor bola para esse tipo de coisa estúpida. Foi essa conversa obscurantista, ignorante, e agressora do devido processo legal que levou ao poder um bando de celerados. E os celerados estão por aí a fazer o que sabem: matando de susto, de bala ou vírus.
Pouco me importa se o alvo da ilegalidade se chama Lula, Cunha ou Raimundo. Com estado criminoso, não há solução.