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Reinaldo Azevedo

ANÁLISE

Texto baseado no relato de acontecimentos, mas contextualizado a partir do conhecimento do jornalista sobre o tema; pode incluir interpretações do jornalista sobre os fatos.

Com a "Cepa América", Bolsonaro marca, sim, uma verdadeira goleada. Contra!

Reprodução/Redes Sociais
Imagem: Reprodução/Redes Sociais

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01/06/2021 07h02

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O contrato para a realização da Copa América no país ainda nem está assinado, e Jair Bolsonaro já colhe os frutos fabulosos da sua iniciativa. Foi uma verdadeira goleada. Um legítimo 7 a 1. Só que contra o governo. E os sete gols foram marcados pelo presidente.

Raramente vi uma unanimidade tão gritante. Exceção feita aos fanáticos de sempre de suas redes sociais e aos puxa-sacos profissionais, ninguém defende a realização do torneio no Brasil. O vice, Hamilton Mourão, ensaiou uma defesa, mas enrolou-se no meio do caminho.

O senador Renan Calheiros (MDB-AL) não exagera quando fala que precisamos de um Tribunal de Nuremberg — adaptado aos nossos mortos, claro!, e às nossas causas — nem quando aponta em Jair Bolsonaro a "pulsão de morte". Em termos estritamente freudianos, pode não ser exato, embora não seja uma avaliação indefensável. É que a pulsão de morte se conjuga, na psique, com, vou fazer um gracejo, a "pulsão de vida", com a pulsão erótica — que não se limita à questão sexual. O "Eros", em Bolsonaro, é destrutivo. Ele só consegue enxergar a autopreservação eliminando o outro. Não tem cura.

Nas redes sociais, o que o governo colheu foi vexame, ironia e escárnio. Versões para o mascote "Cloroquito" circularam freneticamente. Um perfil no Twitter resumiu: "Será mesmo um mata-mata". Não há uma só voz responsável que defenda a realização do torneio no país.

Informa, por exemplo, o Globo:
"A explosão de casos de coronavírus arrastou Curitiba mais uma vez para o estado de bandeira vermelha. Assim como ocorreu entre o fim de março e o início de abril, a prefeitura permitirá, até o dia 9 de junho, o funcionamento apenas de serviços essenciais. Ontem, o município já acumulava 215 mil infecções e contava com uma taxa de ocupação de leitos de UTI para Covid-19 de 104%. É um retrato semelhante ao visto em todo o Paraná, onde esse índice, na semana passada, chegou a 95%. Os estados do Centro-Sul do país foram os mais vitimados pelo último pico da pandemia de Covid-19, observado em março. No Paraná, o número de óbitos dobrou em 79 dias. Em Santa Catarina, em 85. E, no Rio Grande do Sul, em 97. O sistema de saúde desses estados terá pouco tempo para se recuperar do colapso, já que, segundo especialistas, a chegada do inverno, daqui a três semanas, provocará um novo pico da pandemia."

O vírus, por óbvio, não distingue quem acredita de quem não acredita nele.

É nesse ambiente que Bolsonaro pretende trazer a Copa América para o país, abrindo a possibilidade para que entrem cepas que ainda não circulam aqui. É um irresponsável.

EXPLORAÇÃO DO ESPORTE
A politização do esporte é uma tentação permanente. No Brasil, temos o caso da Copa de 70, quando a ditadura se colou à espetacular Seleção que venceu o Tri. A equipe era amada porque era boa. E se vivia uma ditadura, embora Médici, o ditador de plantão, naquelas circunstâncias, fosse razoavelmente popular. Mas é fato: a Seleção nada ficou a dever ao governo; e o governo se colou ao Tricampeonato, mas não dependia de aceitação popular para se impor. Existia o pau de arara para os inconformados.

O país foi sede da Copa das Confederações em 2013, vencida pela Seleção Brasileira. No ano seguinte, a Copa. Os protestos contra o governo e a realização das duas competições não cessaram. A derrota por 7 a 1 para a Alemanha foi a cereja amarga colhida por Dilma, mas a dor de cabeça acompanhou a presidente desde o momento em que se decidiu trazer as disputas para cá.

Errou feio quem imaginou que o poder de turno pudesse colher louros com as competições. As ruas passaram a fazer outra conta: o serviço de Saúde em contraste com a monumentalidade dos estádios. Ainda que fossem dinheiros diferentes, a conta colou. Sem as duas competições, a vida de Dilma teria sido bem mais fácil.

Inexiste relação direta, de resto, nas democracias, entre vitória no campo e benefícios para o governo de turno. Em 1998, não levamos a taça, e FHC se reelegeu. Em 2002, veio o Penta, e Lula, de oposição, venceu a eleição. Os insucessos de 2006 e 2010 não derrotaram o PT.

PARA QUEM?
Com que propósito Bolsonaro quer realizar a Copa América aqui, evidenciando que dá de ombros para os 463 mil mortos -- até ontem -- e para as evidências de uma terceira onda? Resposta: o propósito, mais uma vez, é satisfazer os maus bofes de seus radicais e desafiar todos aqueles que, de fato, então na linha de frente de combate à doença.

O presidente não se conforma que os 210 milhões de brasileiros não adotem as suas divisas: "Todo mundo morre um dia" e "Todo mundo vai passar por ela [a morte] e não vai sentir".

Pulsão de morte.

Paixão pela destruição.

Não fosse o risco a que expõe os brasileiros, seria o caso se deixar que quebrasse a cara sem resistência. E que levasse adiante a sua "Cepa América",