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Reinaldo Azevedo

ANÁLISE

Texto baseado no relato de acontecimentos, mas contextualizado a partir do conhecimento do jornalista sobre o tema; pode incluir interpretações do jornalista sobre os fatos.

Outro inquérito contra Salles. Ainda terá a medalha de "Honra ao Demérito"

Ricardo Salles, fantasiado de ruralista, discursa ao lado de Jair Bolsonaro. Terá dois inquéritos no Supremo, que vão investigar suspeita de uma penca de crimes - Evaristo Sá/AFP
Ricardo Salles, fantasiado de ruralista, discursa ao lado de Jair Bolsonaro. Terá dois inquéritos no Supremo, que vão investigar suspeita de uma penca de crimes Imagem: Evaristo Sá/AFP

Colunista do UOL

01/06/2021 04h39

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O ministro Ricardo Salles, da estima do presidente Jair Bolsonaro, ficou numa situação ainda mais difícil. Não tem nem a desculpa mixuruca de que é perseguido pelos perigosos comunistas do ambientalismo. Os que estão hoje, de algum modo, no seu encalço não têm vínculo nenhum com movimentos de esquerda. São todos, na verdade, operadores da lei.

Um segundo inquérito certamente será aberto contra ele. A Procuradoria-Geral da República enviou à ministra Cármen Lúcia, do Supremo, uma petição para que se apure se o ministro cometeu os seguintes crimes:
(a) advocacia administrativa: Artigo 321 do Código Penal;
(b) obstar ou dificultar a fiscalização ambiental: Artigo 69 da Lei 9.605/1998;
(c) impedir ou embaraçar a investigação de infração penal que envolva organização criminosa: Parágrafo 1º do Artigo 2º da Lei 12.850.

Esse é aquele caso denunciado pelo delegado da PF Alexandre Saraiva quando ainda era superintendente da PF no Amazonas. O policial acusa o ministro de ter criado dificuldades para a investigação da maior apreensão de madeira ilegal jamais feita no país, extraída do Pará. Como o ministro tem direito a foro especial, ele apresentou uma queixa-crime ao Supremo. A relatora é a ministra Cármen Lúcia, que ouviu, como é praxe, a PGR.

O delegado acusou também a atuação deletéria do senador Telmário Motta (PRO-RR). A PGR, no entanto, afirmou não haver elementos para a abertura de investigação porque o político teria se limitado a fazer declarações em defesa dos madeireiros.

No despacho, a PGR determina:
a) a oitiva dos proprietários rurais e agentes de fiscalização do IBAMA e do Departamento de Polícia Federal relacionados à "Operação Handroanthus":
b) a requisição de cópia digitalizada da integralidade dos procedimentos de fiscalização e investigação relativos aos ilícitos ambientais;
c) a inquirição do noticiado.

Salles disse que a abertura da investigação é uma oportunidade para que tudo se esclareça.

O OUTRO INQUÉRITO
O inquérito, que certamente será aberto agora, nada tem a ver com outro, já em curso, instaurado por determinação do ministro Alexandre de Moraes. Este nasceu de uma investigação conduzida pelo Serviço de Pesca e Vida Silvestre -- que é o "Ibama" dos EUA

Moraes determinou o afastamento de toda a cúpula do Meio Ambiente e do Ibama, mandou investigar 18 pessoas e cinco empresas, com a quebra do sigilo bancário de todos os alvos — Salles inclusive, cujos endereços foram alvos de mandado de busca e apreensão.

A PGR apresentou na semana passada ao ministro uma petição para que abrisse mão da relatoria em favor de Cármen Lúcia porque esta seria preventa em razão de casos semelhantes. Moraes se recusou a fazê-lo.

O ministro, na verdade, desarquivou uma queixa-crime que foi apresentada contra Salles por ocasião daquela malfadada reunião ministerial de 20 de abril do ano passado, quando o titular do Meio Ambiente afirmou que estava aproveitando a atenção dispensada pelo país à pandemia para fazer "passar a boiada" na área ambiental.

Nesse inquérito aberto por Moraes, apura-se se foram cometidos os seguintes crimes:
(a) corrupção passiva (art. 317, do Código Penal);
(b) facilitação de contrabando (art. 318, do Código Penal);
(c) prevaricação (art. 319, do Código Penal);
(d) advocacia administrativa (art. 321, do Código Penal);
(e) corrupção ativa (art. 333, do Código Penal);
(f) contrabando (art. 334-A, §1º, do Código Penal);
(g) crimes contra a administração ambiental (art. 67 e 69, ambos da Lei n. 9.605/98);
(h) lavagem de dinheiro (art. 1º, da Lei n. 9.613/98);
(i) integrar organização criminosa e obstrução de justiça (art. 2º, §1º e §4º, da Lei n. 12.850/13).

TRUQUE?
Alguém me manda uma "dica": o pedido de investigação feito pela PGR seria só um modo de tentar tirar, de novo, das mãos de Moraes a relatoria da investigação já em curso. Bem, se o ministro não renunciar à função ou não levar a questão para Luiz Fux ou para o pleno, não há quem possa afastá-lo do caso. Esse seria um modo muito estranho de oferecer ajuda. De resto, não há razão para desconfiar de que Salles tivesse uma vida mais fácil com Cármen.

O fato é que, daqui a pouco, teremos um ministro do Meio Ambiente duplamente investigado, com dois inquéritos tramitando no Supremo.

Corre o risco de ganhar de Bolsonaro uma medalha de honra ao mérito.