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Reinaldo Azevedo

ANÁLISE

Texto baseado no relato de acontecimentos, mas contextualizado a partir do conhecimento do jornalista sobre o tema; pode incluir interpretações do jornalista sobre os fatos.

Morte de Lázaro: o jargão miliciano de Bolsonaro e por que está tudo errado

Policiais carregam o que seria Lázaro ainda vivo para literalmente jogá-lo numa viatura do Corpo de Bombeiros. Está tudo errado - Reprodução
Policiais carregam o que seria Lázaro ainda vivo para literalmente jogá-lo numa viatura do Corpo de Bombeiros. Está tudo errado Imagem: Reprodução

Colunista do UOL

28/06/2021 17h23

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"LÁZARO: CPF CANCELADO".

Foi com esse lema miliciano que Jair Bolsonaro saudou a morte do bandido Lázaro Barbosa, com pelo menos 38 tiros. Era questão de tempo. O resultado já estava dado antes de acontecer.

Cumpre lembrar: no dia 19 deste, sábado, quando o país ultrapassou a marca de 500 mil mortos por Covid, o presidente silenciou a respeito. Preferiu saudar os quase 300 policiais que estavam no encalço de Lázaro e antecipar a morte do criminoso. Escreveu nas redes sociais:
"Aos policiais que estão na captura do marginal Lázaro, que tem levado terror ao entorno de Brasília, nós sabemos que esse bandido tem uma certa prática de andar na mata sem deixar vestígios, mas sabemos também que nossos policiais, além da coragem, são tenazes e não descansarão enquanto não cumprir essa missão. "Tenho certeza que, brevemente, o Lázaro estará, no mínimo, atrás das grades".

O "no mínimo atrás das grades" já selava um destino.

Só uma nota, para que o registro não se perca: nesse mesmo dia, Fábio Faria, hoje um bolsonarista extremista, optou por fazer mira nos jornalistas. Sigamos.

Não é preciso muita perspicácia nem excesso de rigor para considerar que Lázaro era um criminoso perigoso, que tinha de ser retirado de circulação. Mas atenção para a regra geral: sempre que um bandido é morto em vez de preso, o que se vai com ele é um arquivo. Vale dizer: sem entrar na lógica das responsabilidades ou das culpas, a operação realmente bem-sucedida é a que prende, não a que mata.

"Ah, tá com peninha do Lázaro? Queria direitos humanos para ele? E as vítimas que ele fez?"

Os milicianos das redes sociais querem pegar os que consideram adversários nessa armadilha pueril — até porque seu chefe resolveu ser sócio do cadáver. Nem se esperava outra coisa. Fareja a morte. Onde quer que ela esteja, lá está o "Mito" tirando uma casquinha.

Mas respondo: compadeço-me com a sociedade. Ou Lázaro era, realmente, um gênio do crime, ou as quase três centenas de policiais que estavam no seu encalço estavam com uma condução técnica muito ruim. Boa pessoa não era, mas era um gênio?

Acho que não. Parece evidente, a essa altura, que era contou com uma rede apoiadores. Segundo o secretário de segurança de Goiás, quando encontrado, o bandido carregava R$ 4.400,00 no bolso. Há uma pessoa presa. Mas é uma só. E os que lhe davam suporte queriam exatamente o quê? Seria mais fácil saber se estivesse vivo. Mas, com o passar dos dias e as sucessivas humilhações a que submeteu um incrível contingente policial, a chance de que fosse preso com vida passou a ser inferior a zero.

O vídeo que circula em toda parte, com seu corpo sendo transferido de uma van e jogado, sem qualquer rigor técnico, numa viatura de emergência do Corpo de Bombeiros, fala por si mesmo. Supor que havia ainda vida no que os policiais carregam como um saco de lixo requer muita boa-vontade, não é mesmo?

E depois há a comemoração dos policiais: "Porra! Acabou!"

Não são apenas eles e Bolsonaro a folgar com o resultado. Os que deram suporte a Lázaro também estão felizes. Afinal de contas, morto não fala.

Sabemos também que deve ter havido haver algum problema de comunicação entre quem estava em campo e o governador Ronaldo Caiado (DEM-GO). Nas redes, Caiado afirmou:
"Tá aí, minha gente, como eu disse, era questão de tempo até que a nossa polícia, a mais preparada do País, capturasse o assassino Lázaro Barbosa. Parabéns para as nossas forças de segurança. Vocês são motivo de muito orgulho para a nossa gente! Goiás não é Disneylândia de bandido".

Segundo essa informação, Lázaro estaria ainda vivo.

Depois foi a vez de o secretário de Segurança de Goiás. Rodney Miranda, deixar as suas digitais no que aconteceu:
"Ele [Lázaro] foi socorrido com vida, mas, chegando ao hospital, foi a óbito. Descarregou uma pistola, possivelmente 380, em cima dos policiais".

Como? O criminoso "foi a óbito" só no hospital, segundo Miranda? Então uma pessoa que ainda "não foi a óbito", bandida ou não, é retirada daquele modo de um carro e jogada numa viatura de bombeiros, sem nenhuma proteção, solta, sacolejando?

Não se vai dizer em lugar nenhum? Pois é. Digo aqui: se Lázaro estava morto, o que se viu foi vilipêndio de cadáver — Artigo 212 do Código Penal. Se estava vivo, então Caiado tem muito a fazer para que tenha um dia "a polícia mais preparada do Brasil".

E não! Não estou negando que Lázaro tenha atirado contra os policiais. Seu histórico não era nada recomendável.

Mas sei reconhecer quando:
1: uma história está mal contada;
2: os policiais não se comportam de acordo com as regras do jogo;
3: as autoridades dizem coisas contraditórias.

É claro que as potenciais vítima de Lázaro têm motivos para respirar aliviadas e se sentir mais seguras. Isso não quer dizer que a operação tenha sido bem-sucedida e que as forças de segurança devam se orgulhar do que fizeram. Até porque, a ser verdade que ele atuava a soldo, então os que lhe pagavam pelos serviços estão respirando aliviados.

Quanto ao "CPF cancelado", dizer o quê?

Celebra a morte, qualquer morte, quem não tem compromisso com a vida.

É uma deformação profissional.