Texto baseado no relato de acontecimentos, mas contextualizado a partir do conhecimento do jornalista sobre o tema; pode incluir interpretações do jornalista sobre os fatos.
Zambelli cobra as "gordas feministas peludas". E o "mimimi do feminicídio"?
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A deputada Carla Zambelli (PSL-SP) precisa estudar ética, lógica, história... Precisa, enfim, estudar. Qualquer coisa. Nem que seja a bula da cloroquina. Ela concede uma entrevista à Folha. Entre as enormidades, diz que só desiste de Jair Bolsonaro se souber que ele roubou ou, ao menos, tentou.
Zambelli, tudo indica, discorda dos Códigos Penais de quase todo o mundo. Punem o roubo, claro! Mas há penas mais gravosas para crimes piores. Ainda que fosse realmente notável por sua trajetória caça-corruptos, já estaríamos diante de uma deformação. Mas não me dedicarei a isso agora.
Carla continua zangada com o senador Omar Aziz (PSD-AM), e certo feminismo "fake" continua a lhe dar audiência — o mesmo que entendeu ser humilhação machista indagar a Nise Yamaguchi se a doutora sabia a diferença entre protozoário e vírus. Errou a resposta, ao contrário do que se diz por aí. A pergunta era dirigida a quem defendia o uso de um antiprotozoário para combater o vírus. Pergunta medicinista, não machista.
Voltemos a Zambelli.
Ela se referiu a Aziz, em vídeo, nos seguintes termos: "inútil, imbecil e bunda gorda". Ele lhe dedicou a música "Espanhola", de Flávio Venturini e Toninho Horta, celebrizada nas vozes de Sá & Guarabira. Música romântica, de quem está caído de amores. Entendeu-se, então, que era uma alusão ao boato de que Carla teria sido prostituta na Espanha — conversa que se tornou célebre em razão de uma treta que ela teve com uma ex-colega de trajetória e ideologia.
Na entrevista à Folha, em que defendeu o tratamento precoce contra a covid, Carla indagou indiretamente onde estavam as feministas, que não a defenderam. E afirma uma coisa estranha:
"Ele colocou aquela música tentando me ofender e não conseguiu. Primeiro, porque eu não fui prostituta e, segundo, porque, se eu fosse, não seria uma ofensa. Não foi uma ofensa às prostitutas do Brasil?"
Não entendi: segundo ela própria, associá-la a uma prostituta só é ofensa às prostitutas. Então não deveria ser ela a se zangar. Esta senhora tem os meridianos tão desajustados que considera a música que lhe foi ofertada ofensa mais grave do que um presidente da República mandar uma repórter calar a boca.
Carla se considera mais importante do que o Artigo 5º da Constituição.
Há prostitutas decentes e indecentes. A exemplo de parlamentares, jornalistas e açougueiros...
Sei lá o que Zambelli fez da vida antes de virar uma "militante conservadora". Há uma foto sua, grávida, junto de mulheres do movimento Femen. Eu a conheci no grupo "Nas Ruas", antes ainda de se converter ao bolsonarismo. Não sei o que estudou. Seu perfil diz ter sido "gerente de projetos". Projetos de quê? E teria levado a sua experiência à Espanha. Virou uma militante da tradicional família cristã depois de passar por aquela particular forma de feminismo. Sara Winter também pertenceu ao movimento.
SOLIDARIEDADE DAS FEMINISTAS
Não fica bem Carla cobrar a solidariedade de quem ela despreza. Num de seus momentos luminosos, julgou ter descoberto a razão secreta para o Instagram ter dado sumiço aos likes. Expressou-se nestes termos:
"Tudo para a gorda feminista peluda do cabelo roxo não ficar deprimida ao ver o desempenho da coleguinha na rede".
Zambelli, da boa família cristã -- após a conversão ao menos --, também é armamentista, além de antifeminista. E houve um dia em que ela resolveu juntar as duas coisas em vídeo, dando voz a Jair Bolsonaro. Estávamos ainda em março de 2017. A agora deputada -- que cobra solidariedade das feministas por ter sido chamada do que ela própria diz ser ofensa às prostitutas, não a ela -- resolveu apelar ao então deputado para homenagear as mulheres. Ela fala primeiro:
"Pessoal, eu estou aqui com Jair Bolsonaro no Dia Internacional das Mulheres. Ele tem um recado pra vocês."
E aí disse o ogro:
"Parabéns a todas as mulheres do Brasil porque eu defendo a posse de armas de fogo para todos, né?, inclusive vocês, obviamente, as mulheres. Que nós temos de acabar com o mimimi... Acabar com essa história de feminicídio; que, daí, com arma na cintura, vai ter é homicídio. Tá ok? Felicidades aí".
À época, escrevi um post a respeito.
ENTENDAM
Bolsonaro não falou em acabar com o assassinato de mulheres, mas com o feminicídio, que é um agravante penal e um reconhecimento de que pessoas, muitas vezes, são mortas no Brasil por serem quem são: mulheres. Pode-se debater, claro!, se o caminho do agravante penal é o melhor instrumento. Mas eles fizeram outra coisa: "contra o feminicídio (mero mimimi), o homicídio". Dispensável dizer que, nessa formulação, exclui-se a mulher do conjunto da humanidade.
Carla riu em sinal de assentimento e foi grata ao Jair.
É congruente com o pensamento da deputada que diz só se descolar de Bolsonaro se descobrir que ele rouba.
Sou casado com mulher e só tenho filhas. Posso falar na condição de alguém que aprendeu com elas a verdade incontestável de uma frase de Simone de Beauvoir, que Carla deve execrar sem nunca ter lido:
"Ninguém nasce mulher; torna-se mulher".