Texto baseado no relato de acontecimentos, mas contextualizado a partir do conhecimento do jornalista sobre o tema; pode incluir interpretações do jornalista sobre os fatos.
Protestos legítimos, a seita PCO, os não esquerdistas e agentes infiltrados
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As manifestações em favor do impeachment de Jair Bolsonaro — ou contra essa coisa que aí está e que se confunde, às vezes, com o governo — podem crescer ou começar a murchar. Depende de muita coisa. Em tese ao menos, se a economia melhora, cai o ânimo para a divergência. Mas só em tese. Até porque os benefícios da recuperação tardam a chegar. Uma coisa é certa e fatal: mobilizações dessa natureza não resistem a certos erros.
É estupefaciente que uma seita como o PCO, que só existe em razão de uma excrescência chamada Fundo Partidário, tenha decidido atacar alguns militantes tucanos que compareceram aos protestos de sábado, em São Paulo. Essa poderosa máquina de 4.210 filiados, segundo registro do TSE, se outorga o direito de decidir quem pode e quem não pode protestar contra Bolsonaro. Mais: privatiza uma manifestação convocada por movimentos sociais e por outros partidos políticos, colocando-se como policiais de corpos e de consciências. É do balacobaco!
Um dirigente nacional do PCO, um certo Antônio Carlos, que é professor de matemática, resolve fazer a seguinte aritmética política, segundo leio da na Folha: a soma de um número positivo com um número negativo dá menos que o número positivo original. É de uma burrice que aspira ao estado da arte.
As forças que apoiaram o impeachment de Dilma nunca indagaram o que os aderentes da hora haviam feito no verão anterior. Ao contrário: saudavam as novas conquistas. O PCO é mais inteligente, né? Exige crachá de pureza. Por isso é essa potência que nunca conseguiu eleger nem mesmo um vereador. O maior número de filiados está em São Paulo: 1.048. No Amapá, há um. Em Tocantins, a legenda tem o dobro: dois. No Pará, já são 19. Um assombro. Uma verdadeira máquina revolucionária. Lênin fica com vontade de se levantar do túmulo: "Isso, sim, é que é minoria revolucionária!"
Mas eis os valentes no noticiário, conspurcando os leads com a sua estupidez. Também nas redes sociais, é verdade, aqui e ali, ouvem-se as vozes do rancor e da pureza: "Ah, não! Vocês não! Afinal, apoiaram o impeachment de Dilma, apoiaram o governo Temer, apoiaram o governo Bolsonaro..."
Bem, então é mentira que estejam indo às ruas em defesa do impeachment, certo?
Afinal, se parlamentares não mudarem de ideia, não há a menor chance de depor Bolsonaro. Ou serão o PCO e assemelhados a garantir os 342 deputados que podem encaminhar a denúncia para eventual abertura de processo no Senado, onde são necessários 54 votos para condenar? Sim, é difícil e improvável. Até porque, na origem do impeachment, está um ato monocrático do presidente da Câmara, Arthur Lira (Progressistas-AL), que não tem o menor interesse de levar o troço adiante. Antes, a possibilidade lhe serve como instrumento, digamos, de "negociação" com Bolsonaro.
VOZES MAIS RELEVANTES
Não é só o PCO, sob o peso da sua irrelevância, a se comportar como chefe de quarteirão das ruas. Há vozes com mais peso no debate que também estão movidos pelo espírito da exclusão. Como se, e assim chamarei por falta de expressão específica para o caso, uma "frente ampla anti-Bolsonaro" fosse sinônimo de uma frente ampla eleitoral. E, por óbvio, nem se cogita a respeito -- tampouco seria conveniente propor agora o "todos contra ele" -- nem precisarei explicar por que isso seria, no fim das contas, útil ao ogro.
Não só é impossível que todos se juntem contra o atual mandatário como se mostra pedregoso o caminho para que mesmo as forças democráticas identificadas com a direita, a centro-direita e o centro propriamente se unam em defesa de um mesmo nome. Obviamente, isso não vai acontecer. Ora, o marco das manifestações contra Bolsonaro teria de ter um pressuposto, além da defesa do impeachment: a defesa de alguns princípios que compõem conquistas civilizatórias. Não bater nos adversários, note-se, é o mais óbvio e pedestre de todos. Logo, parece-me pouco inteligente que, com menos sofisticação retórica (como o PCO) ou com mais, se estabeleçam critérios de quem pode e de quem não pode estar na rua. De verdade, parece-me burrice.
POLIANA BÊBADA
Mas também não vou aqui adotar o ponto de vista da Poliana bêbada. "Ah, gente, vamos lá, huhu..., todos juntos agora..." A política tem as suas limitações e, a exemplo de toda atividade humana, parece necessitar de certa dose de estupidez para excitar os ânimos.
Que os mais variados grupos que defendem, então, o impeachment ou que pretendem se mobilizar ativamente contra Bolsonaro estabeleçam a sua agenda. O MBL, por exemplo, promete anunciar na quinta-feira a data de um protesto. Se não se sente representado pelos que estão em curso, majoritariamente liderados pelas esquerdas, que empreenda seus próprios esforços. É legítimo e democrático.
Será um "não a Bolsonaro" e pronto? Um "não a Bolsonaro e a Lula", tentando lançar o que seria o protesto de rua de uma terceira via? Não sei. No primeiro caso, entendo, poderia estar nos grandes protestos que têm havido. No segundo, obviamente, não. Porque colocaria em primeiro plano uma agenda que é de caráter eleitoral. Sim, tem havido faixas e cartazes em defesa da candidatura de Lula. Seria melhor que não. Mas não faria sentido proibir a defesa desse e de outros nomes — exceção feita, claro!, ao "dele". Porque aí é coisa da "motociata", certo?
Dentro das regras do jogo, que as ruas sejam livres, com os devidos cuidados em tempos de pandemia, para abrigar as reivindicações que reforçam as instituições democráticas.
CUIDADO ADICIONAL
Há sinais que podem indicar que as manifestações estão infiltradas por provocadores. Os ditos "black blocs" nunca precisaram de infiltração para promover a violência. Aliás, esses delinquentes estão na raiz dos sortilégios que decorreram da supina estupidez de 2013. Os organizadores dos protestos majoritariamente conduzidos pelas esquerdas têm de tomar especial cuidado com a segurança.
Até porque essa estupidez — é marginal, mas costuma provocar estragos, como a história indica — pode ser facilmente manipulada pelos tais agentes provocadores. Quando Bolsonaro vai ao Twitter para resumir manifestações pacíficas a atos isolados de truculência, está, obviamente, dando uma espécie de senha política. Esse será um viés explorado pelo poder. Para que se sustente a, como eles dizem, "narrativa", é preciso ter fatos, ainda que isolados, que deem credibilidade à dita cuja.
Cumpre aos organizadores cuidado obsessivo com a segurança. Mais: se preciso, que estabeleçam entendimentos com as próprias Polícias Militares, deixando claro que baderneiros e depredadores não integram o comando que organiza os protestos. Se e quando entrarem em ação, têm de ser contidos e presos, de acordo com as regras do jogo. Usem-se os meios necessários para contê-los. E não mais do que os necessários. E preciso que as forças militantes, não importa o viés, filmem obsessivamente os eventos.
Protesto em favor do impeachment e contra a política homicida de saúde não combina com um sujeito vestido de negro, com a cara coberta, munido de uma câmera, dando uma solada, com um coturno reluzente, na porta de vidro de um banco, como se vê lá no alto. Pode ser a delinquência "black bloc"? Pode, sim. Mas tem cheiro de ser outra coisa.
A quem interessa a violência? Não sei se é uma pergunta que deve ser feita ao PCO, o partido microcéfalo, que tem 24 filiados no Mato Grosso, 31 no Rio Grande do Norte, 52 no Piauí...