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Reinaldo Azevedo

ANÁLISE

Texto baseado no relato de acontecimentos, mas contextualizado a partir do conhecimento do jornalista sobre o tema; pode incluir interpretações do jornalista sobre os fatos.

Bolsonaro diz em live: "Caguei para a CPI". Na verdade, está é se borrando!

Bolsonaro durante a live em que revelou qual é seu método de governo, para surpresa de ninguém - Reprodução/Youtube/Metrópoles
Bolsonaro durante a live em que revelou qual é seu método de governo, para surpresa de ninguém Imagem: Reprodução/Youtube/Metrópoles

Colunista do UOL

09/07/2021 05h36

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Um dia depois da nota politicamente delinquente dos militares, o presidente Jair Bolsonaro se sentiu autorizado a avançar um tantinho, como se já não tivesse ido longe demais. Enquanto Augusto Aras assistir a tudo calado, como quem acompanha uma boa pelada, ele vai adiante. Mandou ver: "Ou fazemos eleições limpas no Brasil, ou não temos eleições."

A expressão eleições limpas", entenda-se, é seu próprio modo de realizá-las. Anteontem, ele deu a dica. Disse querer uma "contagem pública". Segue rigorosamente o caminho trilhado por Donald Trump, aquele que achava impossível ser derrotado sem fraude. A demora nos EUA para que se conhecesse o resultado, como sabem, se deve ao fato de que, por lá, inexistem urnas eletrônicas.

Bolsonaro está desesperado. Os números das pesquisas não são bons para ele. É evidente que seria temerário cravar desde já a sua derrota. As eleições ainda estão distantes. Mas não há um só analista que veja a sua reeleição no horizonte. Já tratei disso no post anterior.

Acuado pelas assombrações que vão aparecendo na CPI, ele perdeu completamente o senso de limite, mesmo para os seus padrões já tão elásticos. Vamos ver. A comissão protocolou no Palácio do Planalto um requerimento endereçado a este homem virtuoso, que tem a grande coragem de ameaçar gente desarmada com seus gendarmes armados.

A pergunta que lhe endereçam os senadores é simples: disse ou não disse ao deputado Luís Miranda (DEM-DF) aquilo que o parlamentar sustentou em depoimento? Como se sabe, Miranda afirmou que, ao ser informado de possível esquema de corrupção na compra da Covaxin, o presidente teria sugerido que só poderia ser coisa do deputado Ricardo Barros (Progressistas-PR), líder do governo na Câmara. Também teria prometido acionar a PF, o que não fez.

Os senadores não podem convocar Bolsonaro. A Constituição não permite. Mas nada impede que lhe mandem um requerimento pedindo informações. Até porque os acólitos do presidente cochicham pelos corredores que ele não teria feito aquela afirmação. Mas de sua própria boca, até agora, nada se ouviu. Ora, não quer responder ao documento enviado pelos senadores, que dê, então, uma declaração: "Miranda mente". E aí arcará com eventuais consequências na hipótese de haver comprovação do contrário.

ACOVARDOU-SE
E não. Não será desta vez que vamos ver um Bolsonaro corajoso diante de um perigo real. Ele costuma fazer bravatas contra os fracos -- e sempre cercado por seguranças. Ou, então, busca humilhar quem não pode reagir. Quando no Exército, os atos terroristas que tentou tramar para reivindicar melhores salários -- explodir algumas bombas em instalações militares ou mandar para os ares a adutora do Guandu -- também seriam praticados na base da covardia, sem o enfrentamento. É a natureza do terrorismo, afinal.

E, mais uma vez, Bolsonaro correu. Preferiu apelar ao baixo calão. Na sua live Al Qaeda, ao lado de um astronauta perplexo, que finge ser ministro da Ciência e Tecnologia, afirmou:
"Fizeram uma festa lá embaixo na Presidência, né?, entregando um documento para eu responder. (...) Vocês sabe qual é a minha resposta, pessoal? Caguei. Caguei pra CPI. Não vou responder nada".

Isso não é exatamente "cagar" — um ato, no mais das vezes, voluntário — mas se borrar, que é coisa muito distinta. Não responde porque está com medo. Mas medo de quê?

Ora, se ele disser "sim", compra uma briga com Barros e com parte Centrão, o que pode enfraquecer o esquema que o mantém no poder. Se disser "não", há sempre o risco de aparecer a evidência de que disse o que diz não ter dito. E aí terá mentido para a CPI. Logo, não estamos falando de excesso de coragem. Mais uma vez, o que se tem é covardia.

REPETE O PADRÃO
Bolsonaro está tão acostumado com a bolha de insanidade e loucura que lhe dá suporte nas redes sociais que entra em pânico quando obrigado a responder a uma questão objetiva.

Ele afirmou num evento evangélico que dispunha de provas de que a eleição de 2018 foi fraudada e de que vencera no primeiro turno. Acrescentou a essa fantasia uma outra: Aécio Neves teria vencido a eleição de 2014. É mesmo?

O TSE lhe deu um prazo para apresentar as provas de que diz dispor. Ora, se o presidente da República está de posse de algo tão grave, que apresente a evidência em juízo.

E ele, ora vejam!, correu. Afirmou que não vai apresentar prova nenhuma. E, mais uma vez, a Procuradoria Geral da República, na figura de Augusto Aras, ficará calada.

Assim, esse líder destemido não tem coragem e independência para dizer um simples "sim" ou "não" à CPI. E não entrega ao TSE as provas que diz ter de que eleições passadas foram fraudadas. Por óbvio, não as entrega porque não as tem. Afinal, daria um xeque-mate na questão do voto impresso, não é mesmo?

DEFESA DO VOTO IMPRESSO TAMBÉM É FRAUDULENTA
Ocorre que a sua defesa do voto impresso também é fraudulenta. O que ele quer é melar as eleições, pouco importa o sistema de votação. Está testando o terreno e provocando os ânimos para ver se a banda podre de farda -- e há banda podre em qualquer lugar -- resolve virar a mesa, tendo-o, claro, como o líder da quartelada.

Assim, inventa uma suposta conspiração entre STF e PT, que passaria pelo voto eletrônico, para ver se consegue realizar aquele que sempre foi o seu intento, desde os tempos em que era um deputado da periferia do baixo clero: governar o país como o ditador, cercado por sua plêiade de gênios.

Não está cagando para a CPI. Caga para o país e para seu povo. Ou não teríamos mais de 530 mil mortos por Covid-19.

E se borra todo quando convidado a falar a verdade.