Topo

Reinaldo Azevedo

ANÁLISE

Texto baseado no relato de acontecimentos, mas contextualizado a partir do conhecimento do jornalista sobre o tema; pode incluir interpretações do jornalista sobre os fatos.

Imprensa erra: crítica à 3ª via diferencia - E NÃO UNE - Lula e Bolsonaro

Reprodução
Imagem: Reprodução

Colunista do UOL

21/07/2021 06h56

Receba os novos posts desta coluna no seu e-mail

Email inválido

Se o fim iguala as postulações a despeito dos meios, então não há meio ilegítimo para que se alcance determinado fim. E, com efeito, aquilo que Maquiavel NUNCA escreveu — a saber: "Os fins justificam os meios" — se torna mesmo uma divisa. E, como sabem alguns que me acompanham há mais tempo, a minha frase é outra: "Os meios qualificam os fins". Vale dizer: mesmo a finalidade mais nobre pode ser conspurcada por instrumentos indignos, de modo que estes podem, por exemplo, impor uma rotina de terror e desastres sob o pretexto de que se vai alcançar o paraíso.

É preciso tomar cuidado com certas armadilhas de pensamento — sob o pretexto de dispensar tratamento igual a litigantes com o propósito de exercitar a isenção — que podem levar à normalização da truculência e da barbárie, inclusive a retórica.

Li em praticamente todos os veículos noticiosos nesta terça, com ligeiras diferenças de acento, que Lula e Bolsonaro se uniram na crítica à chamada "terceira via", o que despertou alguns ânimos analíticos para a constatação de que a Terra é redonda e de que existe a Lei da Gravidade. Chegou-se à conclusão, horrível para alguns — oh, meu Deus, como pode??? — ,que nem um nem outro querem que se viabilize um nome alternativo a isso que chamam impropriamente de "polarização".

Que é isso, gente??? Estou chocado!!! Que coisa absurda!!! Então tanto o atual presidente como o ex evidenciam, vamos dizer, desinteresse no surgimento de uma alternativa??? Que coisa... Digam-me cá: por acaso, o normal seria que ambos aplaudissem, para citar Drummond, esse J. Pinto Fernandes que hoje pode se chamar Ciro Gomes, João Doria, Mandetta, Eduardo Leite... Até Sergio Moro voltou a rondar, todo pidão, esse lugar da terceira via...

Esperavam o quê? Que um e outro dissessem ser chegada a hora de aparecer um terceiro nome que possa, afinal de contas, vencê-los? Um curso nível "Massinha I" de política diria que esse não é exatamente papel daqueles que lideram as pesquisas — e um deles, o petista, com uma vantagem imensa. Portanto, nada de novo há sob o céu quando candidatos tentam se mostrar os mais aptos a vencer a batalha.

MAS VAMOS AO CENTRO DA QUESTÃO
Movam a tela rapidamente para o primeiro parágrafo e depois retornem aqui. Este não é um texto sobre eleições. Este é um texto que trata de meios e de fins. E, sendo assim, este é um texto, no fim das contas, sobre ética. E, no caso, sobre "ética política" -- um par de palavras que tem história. E muita filosofia.

Que Lula e Bolsonaro possam ser críticos da chamada Terceira Via, convenham, é a batatinha-quando-nasce da arte de versejar; é o dó-ré-mi da música; é o desenho da criança que representa o humano com um círculo, um cabeção, e quatro apêndices como se fossem pés e braços.

A mim me interessa saber como cada um fez além do óbvio. Há, pois, modos de fazê-lo — e estes podem ser éticos ou não.

Em uma entrevista, Lula afirmou:
"A terceira via é uma invenção dos partidos que não têm candidato. Falam em polarização... O que tem de um lado é democracia e, do outro, é fascismo. Quem tá sem chance usa de desculpa a tal da terceria via. Seria importante que todos os partidos lançassem candidato e testassem sua força."

Bem, eu concordo com ele. Não pode haver nada mais óbvio do que isso. Não existe o partido "TV": Terceira Via. Existem PSDB, DEM, PSD, MDB, PSL etc. Ainda não têm nem seus respectivos nomes nem "o" nome. Então se lança uma abstração, uma ideia, uma tese, uma palavra de ordem, que se define pelo "não", que se expõe de forma reativa: "Temos de ter alguém que seja Nem-Nem": nem Bolsonaro nem Lula.

Que esse eventual terceiro nome — caso não haja também um quarto e um quinto — se apresente como "nem Lula nem Bolsonaro" é outro truísmo, não? Então já se sabe o que ele não será. Mas cabe a pergunta: E SERÁ O QUÊ? Como ele se impõe por suas próprias qualidades, de modo que sua principal característica não seja a ausência dos eventuais defeitos dos adversários?

Assim, parece-me que, quando Lula diz que os partidos têm de lançar seus respectivos nomes e de ir à luta, convida a que as identidades políticas se exponham. "Ah, mas é claro, então, que ele não quer o nome único, que não seja nem um nem outro". Bem, pode até não querer. Mas pergunto: isso depende da sua vontade? Será uma escolha do petista? Ora...

E, por certo, só se fala de uma terceira via porque há partidos e grupos em busca de candidatos. Ninguém precisa gostar de Lula ou votar nele para entender que sua fala está absolutamente adequada ao decoro político e faz uma abordagem ética da vida pública. Agora vamos a Bolsonaro.

BAIXEZAS E VILEZAS
Vejamos o que afirmou Bolsonaro. Sim, senhores! Há uma distância grande entre afirmar que partidos não têm ainda candidatos -- e deveriam tê-los -- e, por isso, falam em terceira via, como fez Lula, e recorrer à baixeza e à vileza para desqualificar o surgimento de uma alternativa. O que disse Bolsonaro, também em entrevista de rádio? Reproduzo:

"Existe uma passagem bíblica que diz: seja quente ou seja frio, não seja morno. Terceira via, o povo não engole isso aí. O vaselina? É xilocaína ou vaselina? O vaselinão? Não vai dar certo, não vai agregar, não vai atrair a simpatia da população".

Raramente a Bíblia frequentou boca tão imprópria. Tivesse Bolsonaro parado na sua interpretação precária de um trecho do Apocalipse, vá lá. Mas não! Ele precisa, em seguida, apelar escancaradamente à homofobia, reduzindo eventuais adversários a seus próprios devaneios eróticos. E certamente mal resolvidos. Ou isso não povoaria de forma obsessiva os seus discursos, pouco importando se está se referindo a adversários políticos que são gays — Eduardo Leite, por exemplo — ou héteros: João Doria e Randolfe Rodrigues. Também Lula não escapa das baixezas — nesse caso, o ataque à honra substitui a homofobia.

Reitere-se: ninguém está cobrando do presidente que fale bem de seus adversários políticos. Mas há meios e meios de fazê-lo. E os escolhidos por ele são sempre os mais pusilânimes, reacionários e estúpidos.

Não venham, pois, decretar o empate onde não existe. O ataque à ideia da terceira via NÃO UNE Bolsonaro e Lula. O ataque à ideia da terceira via DIFERENCIA Bolsonaro e Lula. O petista o faz por meio da política, concorde-se ou não com ele. O atual presidente apela à barbárie retórica que sempre tem consequências.

CONCLUINDO
E, sim, Lula está certo -- e eu mesmo já escrevi isto umas trezentas vezes -- quando afirma que a escolha, em 2022, se dá entre democracia e fascismo. Ou, quando menos, entre democratas e fascistóides.

Essa é a primeira e fundamental escolha. Dito o "não" aos fascistoides, vem a escolha seguinte: entre as alternativas dadas, a escolha recairá sobre quem?

Fico cá me perguntando se à "Terceira Via", ou "Terceiras Vias", não falta esta primeira definição essencial: o "não" ao fascistoide. Caso se chegue a essa conclusão, cabe perguntar se a formulação "nem Lula nem Bolsonaro" não é eleitoralmente ineficaz. Ainda que os adversários possam pensar coisas muito ruins sobre o ex-presidente, sabem que fascistoide não é.

É um imperativo reconhecer que Bolsonaro não tem competidores na política. Como evidenciam os quase 550 mil mortos.

Qual é a primeira e essencial escolha?