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Reinaldo Azevedo

ANÁLISE

Texto baseado no relato de acontecimentos, mas contextualizado a partir do conhecimento do jornalista sobre o tema; pode incluir interpretações do jornalista sobre os fatos.

Não há nada a negociar com o "perdidinho" Bolsonaro. Que se cumpram as leis

Os presidentes do STF e do Senado, Luiz Fux e Rodrigo Pacheco. Não há, em si, nada de errado numa reunião entre os Poderes. Mas, no caso, pergunta-se: para quê? Bolsonaro porá fim ao discurso golpista? - Reprodução
Os presidentes do STF e do Senado, Luiz Fux e Rodrigo Pacheco. Não há, em si, nada de errado numa reunião entre os Poderes. Mas, no caso, pergunta-se: para quê? Bolsonaro porá fim ao discurso golpista? Imagem: Reprodução

Colunista do UOL

19/08/2021 05h58

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O presidente do Supremo, Luiz Fux, recebeu nesta quarta, em momentos diferentes, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), e o ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira. Depois da conversa, os dois políticos defenderam que se marque a tal reunião entre os Três Poderes, que Fux havia proposto no já longínquo 12 de julho. O evento que não houve chegou a ser marcado para o dia 14 daquele mês, mas Jair Bolsonaro passou por uma internação de emergência. Três dias depois, já estava fazendo discurso golpista.

Fux disse ontem que não descarta o encontro e afirmou que o diálogo entre os Poderes nunca foi rompido. Entendo o esforço de Pacheco e avalio que ele tem se comportado bem na crise. Sempre que a bola chega quadrada aos seus pés, dá um jeito de arredondá-la. Com discrição, atua para baixar a temperatura.

O senador deixou claro, por exemplo, que denúncias de impeachment contra ministros do Supremo não prosperarão; desacelerou o processo de avaliação do nome de André Mendonça para a vaga em aberto no tribunal e até, corretamente, tirou as esperanças dos entusiasmados com a desastrosa reforma eleitoral que Arthur Lira comanda na Câmara. Sim, a gente pode fazer uma pergunta simples para uma resposta simples: que mal há em que os respectivos chefes dos Poderes se encontrem? Nenhum. Mas há uma outra indagação também simples, de resposta idem: pra quê? Para nada!

Observem: o chefe do Congresso é o presidente do Senado. E lá estava ele ontem com Fux. Na teoria ao menos, a voz política do governo é o chefe da Casa Civil. E também este conversou com o presidente do Supremo. A questão é saber onde se encontrava Bolsonaro enquanto esses diálogos aconteciam. Inaugurava um conjunto habitacional em Manaus, acompanhado do pastor Silas Malafaia, a quem coube o discurso de ataque ao Supremo. Tudo índica que começará a fase de terceirização das agressões.

ELEMENTAR
Ora, se o Executivo tem uma demanda a apresentar ao tribunal, pergunta-se: Nogueira não poderia ser seu porta-voz? A rigor, os Três Poderes já se encontraram nesta quarta. Qual seria o objetivo da outra reunião? Qual a pauta? Ainda no sábado, Bolsonaro enviou para seus contatos no WhatsApp uma mensagem que prega abertamente rompimento institucional, convocando as milícias digitais para um grande ato no dia 7 de Setembro, evidenciando que tudo estaria, então, preparado para o golpe.

Basta que o presidente da República se conforme com o molde institucional que temos — e, se quiser alterá-lo, a ordem legal aponta caminhos —, e, na política, tudo estará no seu lugar. Nessa hipótese, ele teria de realmente se ocupar de governar o Brasil de quase 15 milhões de desempregados, inflação em alta e renitente e crescimento que se projeta a cada dia mais acanhado no ano que vem. Os prováveis mais de 5% deste ano vêm à esteira da recessão. Junte-se ao cenário uma crise hídrica de efeitos ainda incertos. Há um país real a governar, com o qual Bolsonaro não quer contato.

Seria razoável supor que anda doidão porque percebe o apoio minguante na sociedade — só é entusiasmado na sua bolha — e porque reiteradas pesquisas apontam a sua derrota. Isso tudo certamente não contribui para acalmá-lo. Mas vamos convir: em algum momento, na Presidência, ele deixou de ser... Bolsonaro? Em algum momento, no comando do país, renunciou à condição daquele deputado que era pária até entre párias em razão das sandices que dizia?

"PERDIDINHO"
Em encontro com empresários e políticos, Gilberto Kassab, presidente do PSD, afirmou que o presidente está "perdidinho". Considerou:
"É o estilo dele. Está em fim de governo, não surpreende ninguém. É o estilo [do confronto], cuja maior vítima é ele. O desgaste que ele está tendo é por causa dessa postura. Esse estilo de criar polêmica. Isso assusta. Há a questão da pandemia, aquelas manifestações negacionistas, sem máscaras, sem distanciamento social. Ele não respeitou. Isso não surpreende mais ninguém. É o desgaste que o está levando à derrota".

Kassab, note-se, avalia que há espaço para o que chama de "candidatura de centro" e aposta que Pacheco pode ser esse nome. Isso é lá com eles. Há, como se sabe, uma congestão de pré-candidatos a candidato ao que se chama "terceira via". De qualquer modo, o presidente do PSD é político experiente e conhece como poucos os bastidores de Brasília.

O primeiro passo para uma derrota é ninguém acreditar na vitória a não ser os fanáticos. "Ah, o próprio Bolsonaro da eleição passada desmente isso..." Bem, precisaria escrever uns 100 artigos para esmiuçar por que 2022 não é 2018. Mas duas questões são centrais: 1) desta feita, Lula estará na disputa; 2) já existe a memória de um governo Bolsonaro, e todos sabem do que ele é capaz. E em que é incapaz.

DE VOLTA AO PONTO
Ainda que se venha a fazer o tal encontro, pergunta-se: o que o Legislativo e o Judiciário têm a oferecer a Bolsonaro? Se o seu novo chefe da Casa Civil, político experimentado e com trânsito em Brasília, não consegue conter seu tarado golpismo, resta o quê?

"O desgaste dele é por causa dessa postura", afirmou Kassab. Pois é... Jamais nos esqueçamos: Dias Toffoli abriu de ofício o correto inquérito para apurar a indústria de ataques ao Supremo — só é "polêmico" para os tontos ou os nefelibatas — no dia 14 de março de 2019. Bolsonaro estava no cargo havia apenas dois meses e meio. E suas milícias já tinham iniciado a guerra contra os Poderes e contra a democracia.

Não há conversa possível com um golpista.

Ao golpista, só os rigores da lei.