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Procurador demitido e a PEC do CNMP, alvo do terrorismo morista-lavajatista
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A PEC que altera a composição do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) tem sido causa de uma guerra santa em setores do Ministério Público e da imprensa. Quem está gostando da polêmica é Sergio Moro, pré-candidato à Presidência. Tem servido para tentar alavancar a sua campanha nas redes. O texto pode ser votado na Câmara logo mais. Diz-se que a proposta põe fim à independência do órgão. É papo-furado. A verdade é que setores do MP querem continuar a se comportar como se fossem uma república autônoma. Já volto ao ponto. Vamos a um evento que ilustra por que o Conselho precisa mudar.
O CASO CASTOR
O CNMP votou, nesta segunda, por uma maioria de seis a cinco, a favor da demissão do procurador Diogo Castor de Mattos, que foi uma das estrelas das estripulias da Lava Jato. Não é demissão imediata. Há um longo processo pela frente.
Vamos lembrar. No começo de 2019, apareceu em Curitiba um outdoor que estampava a imagem de nove procuradores -- incluindo Castor de Mattos. Lá se lia:
"Bem-vindo à República de Curitiba. Terra da Operação Lava Jato, a investigação que mudou o país. Aqui a lei se cumpre. 17 de março -- 5 anos de Operação Lava Jato -- O Brasil Agradece".
O buliçoso procurador era o financiador secreto da patranha. Pior: no curso da investigação, chegou-se ao músico João Carlos Barbosa, em nome de quem o serviço havia sido contratado. Ocorre que ele não tinha nenhuma relação com o caso. Foi usado, literalmente, como um "laranja".
Lembro trecho de uma reportagem da série "Vaza Jato", publicada pelo site The Intercept Brasil no dia 26 de agosto de 2019. Volto em seguida:
"O procurador Diogo Castor de Mattos confessou ao corregedor-geral do Ministério Público Federal que pagou por um outdoor para promover a Lava Jato. A peça, instalada em março ao lado do aeroporto de Curitiba, era ilegal. É papel do corregedor abrir inquérito sobre desvios de conduta de membros do MPF, mas Oswaldo Barbosa deu o caso por encerrado sem investigação formal - e omitiu a confissão do Conselho Nacional do Ministério Público, o CNMP, que também poderia punir o procurador.
Áudios do arquivo da Vaza Jato mostram que membros da força-tarefa sabiam da confissão, e o episódio causou preocupação: nos bastidores, o grupo atuou para esvaziar a apuração e a publicidade do caso. O coordenador da força-tarefa, Deltan Dallagnol, intermediou conversas com Barbosa para proteger Castor de Mattos, mesmo sabendo da confissão de culpa. As mensagens indicam que o corregedor disse a Dallagnol que iria suspender apurações e manter o caso em segredo. O lobby foi bem-sucedido. Nenhum procedimento foi instaurado para apurar a conduta do procurador, que se afastou da operação logo depois da confissão apresentando um atestado médico."
RETOMO
Eis aí a alta moralidade de alguns Catões da República.
Em setembro do ano passado, o CNMP instaurou um Processo Administrativo Disciplinar contra Castor de Mattos, que pediu afastamento da Lava Jato quando o escândalo veio a público. O julgamento foi concluído nesta segunda. E se resolveu, por seis a cinco, em favor da demissão. Estamos diante da prova de que o CNMP funciona? Mais ou menos...
Por unanimidade, os 11 votantes reconheceram o ato de improbidade do procurador, o que impõe a pena de demissão. Mas, acreditem!, Rinaldo Reis Lima, o corregedor, sugeriu que se convertesse a punição num afastamento de 90 dias. Silvio Amorim Júnior, por sua vez, achou o tempo excessivo e propôs modestíssimos 16 dias. Disse ter levado em consideração o fato de que o procurador alegava estar sofrendo de depressão à época.
O julgamento, que havia sido suspenso no dia 28 de setembro passado, foi retomado ontem. Antes da interrupção, a conselheira Fernanda Marinela de Sousa Santos, relatora do PAD, já havia recomendado a demissão do procurador. Vejam como votaram os conselheiros e qual a sua origem.
Favoráveis ao simples afastamento:
- Sílvio Amorim Junior
Ministério Público Federal;
- Rinaldo Reis Lima
Ministério Público Estadual (RN);
- Oswaldo D'Albuquerque
Ministério Público Estadual (AC);
- Sebastião Vieira Caixeta
Ministério Público do Trabalho;
- Moacyr Rey Filho
Ministério Público do Distrito Federal e Territórios
Votaram contra a conversão da demissão em suspensão porque não há regra ou jurisprudência que a justifiquem:
- Fernanda Marinela (relatora):
Indicada pela OAB
- Sandra Krieger
Indicada pela OAB:
- Otávio Luiz Rodrigues Júnior
Indicado pela Câmara:
- Engels Augusto Muniz
Indicado pelo Senado Federal:
- Marcelo Weitzel Rabello de Souza
Ministério Público Militar
O voto de desempate, em favor da demissão, foi dado pelo vice-procurador-geral, Humberto Jacques de Medeiros. Observem que os cinco que condescendiam com uma falha grave — embora, reitero, todos tenham reconhecido o ato de improbidade — vieram de conselheiros oriundos do Ministério Público. Só Rabello de Souza, do MPM, defendeu a demissão.
É bem verdade que o segundo de Aras, que o representava na votação, alinhou-se com a demissão. Mas o viés corporativista é claríssimo. Para lembrar: a demissão não é imediata. A PGR tem agora de indicar um procurador para ajuizar a ação, que corre na primeira instância da Justiça Federal.
DE VOLTA À PEC
O que faz a PEC que pode ir hoje à votação na Câmara? Eleva de 14 para 17 os membros do CNMP. Hoje, oito desses 14 têm origem no Ministério Público: procurador-geral (também presidente), 4 representantes do MPU (Ministério Público Federal, Ministério Público do Trabalho, Ministério Público Militar, Ministério Público do Distrito Federal e Territórios) e 3 representantes dos Ministérios Públicos Estaduais.
Os outros seis membros estão assim distribuídos:
- 1 juiz indicado pelo STJ;
- 1 juiz indicado pelo STF;
- 1 indicado pela Câmara;
- 1 indicado pelo senado
- 2 advogados indicados pela OAB.
Esses todos seriam mantidos, segundo a PEC, mas acrescidos de três membros:
- mais uma indicação de Câmara e Senado, alternadamente;
- Câmara e Senado, alternadamente, indicam para corregedor um membro do Ministério Público Estadual ou do DF que tenha sido Procurador Geral de Justiça:
- STF indica outro nome, mas que tem se ser aprovado por Câmara ou Senado, também alternadamente.
Observem que os membros oriundos do Ministério Público seguiriam sendo maioria: nove de 17, já que o corregedor teria de pertencer à carreira.
Sim, o Conselho poderia "desconstruir" atos de procuradores, mas apenas os de caráter administrativo que sejam considerados violação de dever funcional. Para tanto, haveria um processo disciplinar, "preservada a independência funcional e assegurada a apreciação judicial".
TERRORISMO
O que se está fazendo é muito terrorismo por nada. Ou por tudo. A grita vem de setores que se acostumaram a ver o Ministério Público como um território sem regras. O sujeito fica deprimido, por exemplo, e resolve financiar um outdoor fazendo proselitismo...
A acusação de que o "centrão" está tentando tomar conta do MP é uma crítica ou burra ou de má-fé. Até porque o tal "centrão" não é um ente permanente, com sede, endereço fixo, estatuto... Todos, na democracia, são obrigados a prestar contas por seus atos. Independência não é sinônimo de República autônoma.
As áreas militantes do MP, no entanto, conseguiram produzir "fake news" e "fake opinions" às pencas. Não será fácil conseguir os três quintos necessários na Câmara e no Senado para aprovar a PEC.
E não! O CNMP não poderá interferir na apuração conduzida por procuradores e promotores caso o texto venha a ser aprovado. Talvez todos eles tenham de ser um pouco mais cuidadosos no seu trabalho, o que é bom.
Vejam lá... O pré-candidato Sergio Moro mobilizou as suas "bases" para atacar a proposta. O colega de papinho de Deltan Dallagnol, depois da razia provocada pela Lava Jato na política e na economia, está falando em nome da "independência do Ministério Público".
Parece piada.
E é piada.