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Reinaldo Azevedo

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

O pária não decepcionou os seus na Itália. Alguém esperava algo diferente?

Bolsonaro ao lado do troglodita de extrema direita Matteo Salvini. É claro que eles se identificam e se reconhecem, não é mesmo?  - Gabinete de Matteo Salvini/Via AFP
Bolsonaro ao lado do troglodita de extrema direita Matteo Salvini. É claro que eles se identificam e se reconhecem, não é mesmo? Imagem: Gabinete de Matteo Salvini/Via AFP

Colunista do UOL

03/11/2021 06h45

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A passagem de Jair Bolsonaro pela Itália e o tratamento que lhe dispensaram os chefes de Estado do G20 evidenciam que o ex-chanceler Ernesto Araújo foi bem-sucedido. O Brasil e seu presidente são tratados mundo afora como párias. Resta, claro!, a importância econômica do país, mas isso, como é óbvio, espelha o presente, tem um peso no passado e nada diz sobre o futuro. O vexame foi além da antevisão mais pessimista. E o "Mito" se poupou de outras humilhações cabulando a COP26, em Glasgow, na Escócia. O Brasil, é verdade, acabou referendando o acordo internacional de redução de metano sob pressão dos EUA, mas isso não quer dizer grande coisa.

De relevante mesmo na COP 26, no que respeita ao país, tivemos o pedido de demissão do engenheiro e advogado Oswaldo dos Santos Lucon, coordenador-executivo do Fórum Brasileiro de Mudança do Clima. Ele explicou a razão sem subterfúgio: "Havia uma interlocução aquém do que se espera para uma instituição [o Fórum] que busca criar um diálogo entre governo e sociedade (...). Chegou um momento em que parte da sociedade também não buscou mais o governo". Vale dizer: as empresas e entidades da sociedade civil que foram a Glasgow oriundas do Brasil não dialogavam com a representação oficial.

O governo, que é a expressão jurídica e política do Estado, não conversa com a sociedade. Frequentemente, porta-se como seu inimigo. Cabe a pergunta: não é assim em quase todos os setores? Jair Bolsonaro nunca esteve preparado para comandar o país. Comporta-se como líder de facção, de milícia.

É visível o seu desconforto nesses fóruns multilaterais. Sente-se intimidado, acuado, exibindo ar quase humilhado. Aqui e ali se diz que o fato de não falar inglês está na raiz das dificuldades. Bobagem! Nesse particular, não se distingue de Lula. E, como se sabe, a diferença é brutal. O petista se tornou uma estrela mundial em eventos dessa natureza. E nem é preciso entrar no mérito do que dizia. Fato inegável: saía daqui com uma mensagem.

E que se note: é mentira que o ex-presidente tivesse um comportamento sabujo nesses encontros. Se Bolsonaro arrosta os grandes na questão ambiental — MAS COM UMA PAUTA OBVIAMENTE REACIONÁRIA —, Lula cobrava dos ricos mais compromisso no enfrentamento da miséria e no combate à fome no mundo. O que estou dizendo, minhas caras, meus caros, é que o presidente do Brasil não precisa ser servil para ser ouvido. Mais de uma vez discordei de afirmações feitas pelo petista em encontros internacionais, mas uma coisa é certa: irrelevante ou vexaminoso nunca foi.

FABRICANDO A AGENDA NEGATIVA
Era de se esperar que os líderes mundiais mantivessem distância prudente de Bolsonaro. As coisas que disse e fez ao longo de quase três anos de governo explicam esse comportamento. Destaque-se que o presidente brasileiro restou como o último negacionista da pandemia. Bolsonaro poderia chegar ao G20 e anunciar: "Meu país é hoje um dos mais avançados na imunização plena". Em vez disso, prefere a reputação de quem se nega a tomar a vacina e defende o tratamento da Covid-19 com drogas comprovadamente ineficazes.

Incompreensível que faça essa escolha? Não para seus fanáticos. A resistência à vacina é hoje um dos pilares da "Internacional da Extrema Direita" — isso que chamo "Al Qaeda Eletrônica do Neofascismo". Líderes com o seu perfil sentem certo orgulho de desafiar a ciência, o bom senso e o que consideram "falso consenso progressista", supostamente de esquerda. Esse discurso que conjura as forças do atraso mobiliza milhões mundo afora. E assim é também no Brasil. É o que esperam dele seus fanáticos. E, não se enganem, também é a sua crença.

Não venham dizer que Bolsonaro foi surpreendido pelos tumultos de rua, que resultaram na agressão a jornalistas brasileiros. Ele, na prática, os fabricou. Ao homenagear os pracinhas mortos que lutaram contra o regime nazifascista, convidou Matteo Salvini — não por acaso, um neofascista. Bolsonaro está plenamente convencido de que a agenda que condena o Brasil ao atraso é a única que pode levar à salvação — também à sua...

Nota: a foto que vocês veem no alto foi distribuída ao mundo pela agência AFP. Mas a origem é o gabinete de Salvini. Tudo faz sentido. Líderes respeitáveis mantiveram distância de Bolsonaro. Um neofascista, admirador confesso de Mussolini — contra quem lutaram nossos pracinhas, e muitos morreram — faz questão de evidenciar proximidade. Eis a Internacional da Extrema Direita. É a Al Qaeda Eletrônica do Neofascismo em ação.

Como sabem os que me acompanham aqui e em outras plataformas, nunca pensei que o presidente brasileiro pudesse ser outra coisa. Nem me decepciona nem me surpreende. Mas entendo que muitos pudessem avaliar que a sua bufonaria saberia, em momentos importantes, preservar os interesses nacionais. A viagem à Itália prova, sem chance para leitura alternativa, que ele pode condenar o país a um atraso sem remissão.

PEC DOS PRECATÓRIOS
No front interno, Arthur Lira (PP-AL), presidente da Câmara, tenta votar logo mais a PEC dos precatório, que abre um espaço fiscal R$ 91,6 bilhões para elevar o Bolsa Família a R$ 400, pagar o auxílio-caminhoneiro e ainda empregar um tanto em emendas parlamentares.

O "mercado nervosinho", como diz o presidente, já botou preço nesse estouro do teto. Caso a emenda venha a ser derrotada, o governo terá de pensar no que o paraquedista que nos governa chama de "Plano B": a provável prorrogação do Auxílio Emergencial. E vai crescer a desconfiança.

E assim se vai empurrando a coisa com a barriga, na esperança de que o flagelo chegue ao fim.