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Reinaldo Azevedo

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Mateus diz por que reprovava Mendonça, mas este passou. Cheirando a pecado!

André Mendonça, que teve o nome aprovado pelo Senado depois de sabatina, em que se saiu bem. A questão é saber: vale o que ele falou? - Edilson Rodrigues/Agência Senado
André Mendonça, que teve o nome aprovado pelo Senado depois de sabatina, em que se saiu bem. A questão é saber: vale o que ele falou? Imagem: Edilson Rodrigues/Agência Senado

Colunista do UOL

01/12/2021 23h36

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Se senador eu fosse, teria votado contra a indicação de André Mendonça para uma vaga no Supremo. E não por causa da sabatina, em que ele se saiu bem. Se levar a sério tudo o que disse ali, só os bolsonaristas terão o que lamentar. E aí está o busílis, não é? Na noite anterior, tinha havido um jantar-pajelança em sua homenagem, organizado pela Presidência da República. E o objetivo não era garantir a ascensão de um "progressista" ao Supremo. O grupo de convidados era a prova. Logo, tenho todos os motivos para achar que o nome do drama a que se assistiu ali é "Perdoa-me por me traíres". E, no caso, os traídos são os senadores que podem eventualmente ter apostado nas palavras de Mendonça.

Bom, o homem é cristão. Eu também sou. Então vamos de Mateus 7:13-24, reproduzindo as palavras de Jesus:
"Entrem pela porta estreita, pois larga é a porta e amplo o caminho que leva à perdição, e são muitos os que entram por ela. Como é estreita a porta, e apertado o caminho que leva à vida! São poucos os que a encontram. Cuidado com os falsos profetas. Eles vêm a vocês vestidos de peles de ovelhas, mas, por dentro, são lobos devoradores. Vocês os reconhecerão por seus frutos. Pode alguém colher uvas de um espinheiro ou figos de ervas daninhas? Semelhantemente, toda árvore boa dá frutos bons, mas a árvore ruim dá frutos ruins. A árvore boa não pode dar frutos ruins, nem a árvore ruim pode dar frutos bons. Toda árvore que não produz bons frutos é cortada e lançada ao fogo. Assim, pelos seus frutos vocês os reconhecerão! Nem todo aquele que me diz: 'Senhor, Senhor', entrará no Reino dos céus, mas apenas aquele que faz a vontade de meu Pai que está nos céus. Muitos me dirão naquele dia: 'Senhor, Senhor, não profetizamos nós em teu nome? Em teu nome não expulsamos demônios e não realizamos muitos milagres?' Então eu lhes direi claramente: 'Nunca os conheci. Afastem-se de mim vocês, que praticam o mal!'. Portanto, quem ouve estas minhas palavras e as pratica é como um homem prudente que construiu a sua casa sobre a rocha."

Tenho a certeza de que Mendonça, o pastor presbiteriano, conhece a passagem. E que se note: como ele mesmo lembrou, a Bíblia é para a vida — a dele e a de outros como ele —, e a Constituição é para o Supremo. Logo, na associação que faço aqui, a "palavra do Pai" está no texto aprovado pelos constituintes em 1988 e emendado depois, segundo as regras do jogo.

Leiam ali: Cristo, no registro de Mateus, deixa claro que se conhece um homem por sua obra, não por suas palavras. Não basta dizer que segue a Constituição. É preciso efetivamente segui-la. Não basta a promessa de cumprir os ritos constitucionais, é preciso vivê-los. E, infelizmente, não foi o que fez Mendonça quando serviu no Ministério da Justiça e na Advocacia Geral da União.

Ora bolas, se o Mendonça que trabalhou para Bolsonaro fosse aquele que falou aos senadores nesta quarta, convenham, ele nem nomeado para os cargos que ocupou teria sido. E, como resta evidente, na Justiça e na AGU, serviu com denodo ao obscurantismo de seu chefe. Querem que eu acredite agora que este foi o tributo que ele teve de pagar ao vício para que, enfim, encontrasse o caminho da virtude? Convidam-me a crer que Jesus estava errado quando afirmou que a má árvore dá mau fruto? Eis uma constatação que vai bem além da religião.

O deputado Sóstenes Cavalcante (DEM-RJ), espécie de braço operante no Congresso de Silas Malafaia, um dos entusiastas do nome de Mendonça, diz que o agora ministro aprovado apenas usou de um artifício retórico quando anuiu com o casamento civil de pessoa do mesmo sexo, por exemplo. Em suma, teria aplicado um truque no Senado, enganado todo mundo. Diz Sóstenes:
"O que ele falou é que defende garantias e direitos constitucionais. Na Constituição não consta garantia nenhuma de direitos civis de pessoas do mesmo sexo. O que a Constituição garante é de homem e mulher".

Sóstenes está mentindo. Mendonça afirmou outra coisa. Transcrevo:
"Eu defenderei o direito constitucional do casamento civil de pessoas do mesmo sexo".

De fato, a Constituição fala de família constituída por homem e mulher. O reconhecimento da união civil, de que o casamento civil é desdobramento, nasce da leitura dos valores essenciais da Carta, que repudia, como fundamento, a discriminação. Nas palavras de Mendonça, o casamento civil de pessoas do mesmo sexo já é um "direito constitucional". Quisesse dizer outra coisa, teria afirmado: "Defenderei a Constituição como foi originalmente redigida".

Isso é óbvio a ponto de dar preguiça de explicar. Sóstenes, um aliado de Mendonça e que se mobilizou em favor da aprovação de seu nome, está dizendo que o ministro aprovado deu um beiço nos senadores e que vai trair a palavra empenhada. Bem, saberemos quando a questão for debatida na corte.

ESCORREGÕES
No geral, o aprovado saiu-se bem. Mas houve escorregões. Como na questão da abertura dos templos. Quando advogado-geral da União, afirmou que "cristãos poderiam morrer por sua fé". Sustentou nesta quarta que fez aquela defesa porque todos os protocolos seriam seguidos se o STF permitisse os cultos. Papo-furado. Estava ignorando as evidências técnicas e os alertas da ciência. E não reconheceu o erro.

Recorreu, como titular da Justiça, à Lei de Segurança Nacional para intimidar críticos de Bolsonaro. Tentou convencer seus avaliadores de que estava apenas cumprindo a sua missão, ou correria o risco da prevaricação. Digamos que apenas obedecesse ordens, cumpre lembrar que ele escolheu ter Bolsonaro como chefe. De resto, como condescender com sua postura pusilânime quando o STF foi fisicamente atacado com fogos de artifício, numa simulação de bombardeio? Tratou liberdade de expressão como crime no primeiro caso e crime como liberdade de expressão no segundo.

O BOM MOÇO
No mais, Mendonça prometeu bom-mocismo democrático. Vamos lá. Será mesmo que a história brasileira se fez sem sangue, como havia afirmado? Não. Ele reconheceu, na prática, que falara bobagem.

Próximo ao lavajatismo, afirmou:
"Me permitam estabelecer alguns consensos com Vossas Excelências. Todo mundo aqui é contra a corrupção, é lógico. Mas acho que há mais consensos que nós podemos estabelecer: não se pode criminalizar a política. Também entendo que uma delação premiada não é elemento de prova. Eu não posso basear uma convicção com base em uma delação".

Ainda que a frase final tenha saído atrapalhada, o conceito está correto. A questão é saber se será seguido. Há sutilezas aí. Em entrevista recente, Sergio Moro repudiou a acusação de que a Lava Jato demonizou a política. Mendonça sugere que isso aconteceu. Ao empregar a palavra "convicção", remete a frase famosa de Deltan Dallagnol que atine à convicção que se sobrepõe aos fatos.

Ele vai seguir o que disse? Não sei. Outros, antes, naquela mesma cadeira, juraram amor ao devido processo legal e passaram a adorar, e adoram ainda, o bezerro de ouro do lavajatismo.

ORAÇÃO
Ele vai orar durante as sessões, como garantiu Bolsonaro? Mendonça respondeu:
"Diante até da fala do presidente, de orações durante as sessões, eu até expliquei a ele, e permitam-me também trazer a Vossas Excelências, não há espaço para manifestação pública religiosa durante uma sessão do Supremo Tribunal Federal".

É claro que a fala é correta. Não creio que vá pagar o mico de tomar uma leitura da Bíblia como se fosse a da Constituição. Mas convenham: é possível confundir os domínios mesmo sem a oração explícita.

ENCERRO
Reitere-se: o Mendonça que falou ao Supremo nem teria sido indicado por Bolsonaro. O presidente não só a manteve como fez um esforço final pela aprovação. O placar foi 47 a 32 -- seis votos apenas a mais do que o mínimo necessário. É o pior placar da história. Mas ele está no STF.

As respostas, com as exceções destacadas, foram boas. Mas eu e Mendonça somos, certamente, leitores de Mateus 7,13-24. E, por isso, eu teria votado contra o seu nome.

Mendonça teria de passar por um longo tempo de provação depois do que fez. Sim, eu acredito na redenção. Mas não tão depressa.

Pior ainda quando se sabe que havia pecado na noite anterior. O perfume ainda estava na sua roupa e na sua agora basta cabeleira.