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Reinaldo Azevedo

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Fundo Eleitoral: Mendonça legisla em voto absurdo. Foi o Jair que mandou?

André Mendonça, ministro do STF: sua decisão sobre valor do Fundo Eleitoral é uma bizarrice juridica  - AFP
André Mendonça, ministro do STF: sua decisão sobre valor do Fundo Eleitoral é uma bizarrice juridica Imagem: AFP

Colunista do UOL

24/02/2022 07h05

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André Mendonça, que Jair Bolsonaro considera ser parte dos seus 20% no Supremo, estreou como relator. E já produziu um calhamaço de 110 páginas que se traduz na mais escancarada interferência indevida do Supremo no Congresso. Pois é... O "Mito" vai ter, então, de conciliar a maluquice do voto de Mendonça com os interesses de parte dos seus aliados caso o troço prospere. A menos que, como sempre sugeriu, o ministro esteja executando alguma manobra do seu interesse.

A que me refiro? O Novo recorreu ao Supremo contra a elevação do valor do Fundo Eleitoral. O ministro concordou, em termos, com a argumentação do partido e acrescentou outros pontos para bater o martelo, como se fosse, a um só tempo, a Câmara e o Senado: o Fundo Eleitoral não pode ser de R$ 4,9 bilhões, como definiu o Congresso. O valor, entende ele, tem de ser o de 2020 — R$ 2,034 bilhões —, atualizado pela inflação. Quem ganha com corte tão radical, ele queira ou não? Ora, quem tem dinheiro vivo não rastreável para investir em eleições: o crime organizado e certas igrejas evangélicas. Apenas fato.

Entendam, leitores! Não se trata aqui de saber se achamos pouco ou muito. Há quem pense que deveria haver ainda mais dinheiro, já que, saibam, esses recursos são insuficientes, e o caixa dois persiste. Há quem opine que não deveria haver um só tostão, e os candidatos e partidos que se virassem. Há quem defenda, como é o meu caso, que volte o financiamento de campanha por empresas, mas com novas regras.

Logo, os juízos sobre o assunto são os mais variados. A ação a que recorreu o Novo para barrar o valor do Fundo Partidário é uma ADPF: Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental. Logo, é preciso que se demonstre que disposições da Constituição estão sendo feridas pela norma que está sendo impugnada.

E, nesse caso, Mendonça deita e rola no direito criativo. E o faz numa linguagem alguns tons acima da empolação tolerável nas cortes. Há uma evidente paixão pelo "fácil falar difícil". Recomendo, nas próximas, mais modéstia no estilo. E menos inovação na estrutura do voto. É de interesse público que ministros procedam à síntese CLARA do que quer o impetrante, que exponham com precisão, reproduzindo entre aspas, os argumentos, e que procedam ao voto. Mas isso tudo é o de menos.

OS ARGUMENTOS
O gabinete de Mendonça conseguiu redigir 110 páginas para sustentar a sua decisão em dois pilares que não param de pé. Afirma que o aumento do Fundo Eleitoral fere o princípio da anualidade: em síntese, não se muda lei que regula a eleição a menos de um ano do pleito.

Acontece que o valor do Fundo Eleitoral não tem esse condão. O próprio Mendonça lista em seu voto a jurisprudência do Supremo:
"O entendimento do Supremo Tribunal Federal é no sentido de que só ocorre ofensa ao princípio da anterioridade nas hipóteses de: (i) rompimento da igualdade de participação dos partidos políticos ou candidatos no processo eleitoral; (ii) deformação que afete a normalidade das eleições; (iii) introdução de elemento perturbador do pleito; ou (iv) mudança motivada por propósito casuístico".

E aí ele conclui, de maneira espantosa:
"Constato, prima facie, que o aumento do Fundo Eleitoral em ordem de grandeza superior a 200% em relação às eleições de 2020 (i) possui o condão de afrontar a igualdade de chances entre candidatos no processo eleitoral, (ii) impacta a normalidade das eleições, assim como não se encontra suficientemente justificada a sua motivação."

Notem: existem regras para a distribuição do Fundo Eleitoral, certo? Distribua-se "x" ou "3x", o percentual dos partidos não muda. A "afronta à igualdade", se existe, é a mesma com um ou com outro valor. O raciocínio afronta a matemática elementar. Sigamos: então uma eleição que tenha um fundo de R$ 2,034 bilhões (corrigidos) não afetaria a "normalidade", mas uma com R$ 4,9 bilhões sim? Estamos diante de alguma realidade ontológica que ancora as "eleições normais" num determinado valor?

É uma estultice.

A TESE DA PROPORCIONALIDADE
A proporcionalidade, com efeito, é um dos princípios que organizam o direito e fundamentam as decisões de magistrados. Em síntese: é preciso que os direitos individuais, eventualmente de grupos, existam numa relação harmônica com os interesses coletivos. Quando o Estado aplica uma sanção, por exemplo, ela tem de ser proporcional ao agravo que a originou.

Mendonça fez uma aplicação absolutamente exótica da "proporcionalidade" para vetar o valor aprovado pelo Congresso e sugerir outro em seu lugar. Escreveu:
"Assim, concluo que, para as eleições de 2022, o Legislador orçamentário, sob a vigência do Novo Regime Fiscal da União, incrementou o FUNDO ELEITORAL para as eleições de 2022 em desproporcional ordem de grandeza e, em detrimento dos projetos estruturantes e de grande vulto -- muitos deles em andamento --, tipicamente financiados pelas emendas parlamentares de bancadas estaduais e distrital. Logo, agiu em desacordo ao critério da proporcionalidade, notadamente aos postulados da necessidade e da proporcionalidade em sentido estrito. Defendo ser apropriada a utilização desse método para a justificação de intervenções em direitos fundamentais e para soluções de suas colisões. Primeiro, porque por detrás dessa disputa orçamentária, encontra-se em xeque, de um lado, a fruição empírica dos direitos políticos de múltiplos brasileiros filiados a agremiações políticas a concorrerem a cargos eletivos nas próximas eleições; e, de outro, a efetivação do direito coletivo à infraestrutura pública em patamares adequados ao desenvolvimento nacional. Segundo, por ser consensual na doutrina jurídica contemporânea que a concretização dos direitos demanda custos e esses são equacionados na orçamentação".

Bem, por esse caminho, o Poder Judiciário chamaria para si toda a execução orçamentária e arbitraria caso a caso a proporcionalidade ou não dos gastos e investimentos:
"Opa! Isso não! Está desproporcional! Queremos mais Educação e Saúde e menos Defesa..."

Que trecho da Constituição a tanto o autoriza?

Notem ali o viés da antipolítica, típico do lavajatismo, que opõe a classe política aos interesses do conjunto dos cidadãos.

Mendonça sabe que está produzindo uma peça absurda, de escancarada interferência do Judiciário no Legislativo, então se sente na necessidade de escrever ao fim de sua peça exótica:
"Uma vez mais, com a finalidade de evitar má compreensão, peço escusas dos eminentes colegas e demais jurisdicionais para repisar este argumento à exaustão: não se cuida aqui de cenário no qual o STF estaria por invadir o conjunto de prerrogativas do Parlamento para decidir sobre as prioridades orçamentárias, supostamente substituindo a vontade dos representantes eleitos pela de seus juízes. Pelo contrário, o que se passa é a aplicação por parte desta Corte na qualidade de Guardião da Constituição de comandos normativos explícitos postos no altiplano constitucional há menos de três anos exatamente pela atual 56ª Legislatura do Congresso Nacional"

Sim! Está invadindo. E com argumentação capenga.

Que se note: não sou político e sou contrário ao Fundo Eleitoral. Por mim, o financiamento seria inteiramente privado. Mas a doação de empresas está proibida. Logo, não há jeito. Com pouco mais de R$ 2 bilhões ou com quase R$ 5 bilhões, a única coisa que vai variar é mais caixa dois ou menos; mais participação do crime organizado nas eleições ou menos. Com pouco dinheiro, os criminosos fazem a festa porque têm o que oferecer.

ENCERRO
Mendonça sabe que está advogando uma tese que ganha a simpatia imediata da esmagadora maioria dos veículos de imprensa. Também o morismo e mesmo setores do bolsonarismo vão ver a sua decisão com simpatia porque ela tem o ranço indisfarçável da repulsa à política.

Ele opõe de maneira aberta "a fruição empírica dos direitos políticos de múltiplos brasileiros filiados a agremiações políticas a concorrerem a cargos eletivos" à "efetivação do direito coletivo à infraestrutura pública em patamares adequados ao desenvolvimento nacional".

Nesse raciocínio, a eleição atrapalha um tanto o desenvolvimento, né? Afinal, até os pouco mais de R$ 2 bilhões também poderiam virar obras em vez de virar votos... É uma estultice

Diga aí, Bolsonaro: estava tudo combinado?